terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Livro Aberto

Quero que tenhas muitas páginas
E versos difíceis de entender
Quero que me digas onde vais
E que nada fique por dizer...

Sei que não há lugares eternos.
Esta cadeira tem horas,
Há ficar e partir...
Há um entardecer
Para os vagares e demoras.
Até pode chover...

Abre e diz-me a teu jeito
Essa página, e outra, e outra,
Mas não, não me toques ainda.

Assim aberto
Fica
Perto
Mas não me toques ainda.

Deixa-me ler até ao fim.
Com os olhos, com o peito
Antes que o vento
Vire a página da decisão.

Quero ser eu
A tocar essas páginas
Que vou ler e anotar.
Mas por agora, quero ler-te
Só ler-te.

Quero amar-te devagar.


CARLOS CAMPOS, in RIO DE DOZE ÁGUAS (Coisas de Ler, 2012)

Fica

O que te assusta afinal? O susto? Ou o final?
Estamos aqui e agora. P'ra mim basta.
Basta-me saber-nos aqui e agora: querer - querer muito.
Quero-te.
Toco-te. Não. Não basta. Tenho de te ter: aqui e agora.
De me ser. Sem demora.
No vazio de ti - cheio de mim. Farto. Repleta em ti - completo em mim.
Perto.
Início, meio e fim. Momento.
É isto que sou. Não me vou. Fico.
Fica, enquanto podes. Fica. Fica.
O tempo assim o dita.
E, na verdade, só o tempo fica.


CONCEIÇÃO SOUSA, in PONTAS SOLTAS: NÓS (edição de autora, Julho 2011)

Esboço

Desenho o esboço
do teu corpo
no meu modo imaginário
de ser,
doce
redondo
dado.
São traços da minha forma
de te querer,
detalhes
que as nossas cartas jogam
E do que sabes
E do que sei,
são as coisas que trocamos.
os traços seguem as linhas,
pecados desta linha
que nos separa,
nos torna virtuais.
E quando me pedes
que me dê de ti
é para mim que voltas
nesse amor frágil,
inconsolável
de te ter longe
aqui mesmo ao pé de mim.


JORGE BICHO, in POR DENTRO DAS PALAVRAS (Lua de Marfim, 2011)

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Gosto de Ti (Realmente) - Corações de Atum

Escrevo-te a sentir tudo isto

escrevo-te a sentir tudo isto
e num instante de maior lucidez poderia ser o rio
as cabras escondendo o delicado tilintar dos guizos nos sais de prata da
fotografia
poderia erguer-me como o castanheiro dos contos sussurrados junto
ao fogo
e deambular trémulo com as aves
ou acompanhar a sulfúrica borboleta revelando-se na saliva do lábios
poderia imitar aquele pastor
ou confundir-me com o sonho de cidade que a pouco e pouco morde a
sua imobilidade

habito neste país de água por engano
são-me necessárias imagens radiografias de ossos
rostos desfocados
mãos sobre corpos impressos no papel e nos espelhos
repara
nada mais possuo
a não ser este recado que hoje segue manchado de finos bagos de romã
repara
como o coração de papel amareleceu no esquecimento de te amar


AL BERTO, in O MEDO (1987)

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Beijos

Há beijos que por si sós pronunciam
a sentença de amor condenatória,
há beijos que se dão com o olhar
há beijos que se dão com a memória.

Há beijos silenciosos, beijos nobres
há beijos enigmáticos, sentidos
há beijos que só são dados pelas almas
há beijos verdadeiros, porque proibidos.

Há beijos que calcinam e que ferem,
há beijos que arrebatam os sentidos,
há beijos misteriosos que sugerem
mil sonhos errantes e perdidos.

Há beijos problemáticos que escondem
um segredo que nunca decifraram,
há beijos que engendram a tragédia
de quantos botões de rosa desfolharam.

Há beijos perfumados, beijos tíbios
que palpitam nos íntimos desvelos,
há beijos que nos lábios deixam pegadas
como um campo de sol entre dois gelos.

Há beijos que parecem açucenas
de tão sublimes, ingénuos, de tão puros,
há beijos de traição e cobardia,
há beijos malditos e perjuros.

Judas beija Jesus e deixa impressa
em seu rosto divino a felonia,
enquanto Madalena com seus beijos
deixa força e piedade na agonia.

Desde então nos beijos centelham
o amor, a traição e as dores,
e nas bodas humanas se assemelham
à brisa que passa pelas flores.

Há beijos que provocam desvario
de amorosa paixão ardente e louca,
bem os conheces, são os beijos a fio
que eu inventei para a tua boca.

Beijos de chama que em rasto impresso
sulcos de um amor vedado levaram,
beijos de tempestade, selvagens beijos
que só os nossos lábios provaram.

Recordas o primeiro? Indefinível;
cobriu o teu rosto até corar
e nos espasmos de emoção terrível,
encheu-se de lágrimas o teu olhar.

Recordas-te de uma tarde, do louco instante
em que te vi com zelo e pensamentos sábios,
te abracei… o beijo vibrante,
e que viste depois? Sangue nos meus lábios.

Ensinei-te a beijar: os frios beijos
são de impassível coração de roca,
eu ensinei-te a beijar com os beijos
que eu inventei para a tua boca


GABRIELA MISTRAL, in DESOLACIÓN (1922), tradução de CARLOS CAMPOS

Raio... de luz

3 (2)

domingo, 10 de novembro de 2013

Grita

AMOR, quando chegares na fonte distante,
cuida para não me morder com voz de sonho:
para que a minha dor não morra nas tuas asas,
que na garganta de ouro a minha voz não se afogue.

Amor – quando chegares
na fonte mais distante,
sê turbilhão que assola,
sê rompante que crava.

Amor, desfaz o ritmo
da minha água tranquila:
saibas tu ser a dor que retine e que sofre,
saibas tu ser a angústia que retorce e grita.

Não seja eu esquecido
não me dês a ilusão.
Porque todas as folhas que caíram na terra
Foram tingindo de ouro meu coração.

Amor – quando chegares
na fonte mais distante,
desvia minhas vertentes,
crispa as minhas entranhas.
E assim uma tarde – Amor que tens as mãos cruéis –,
ajoelharei ante ti e te darei graças.


- Pablo Neruda, in: Crepusculário - tradução de José Eduardo Degrazia

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

O ruído da mentira

Nos teus olhos vejo
O ruído da mentira
Minimizando o valor real
Da verdade
Para que possas dormir
Com alguma tranquilidade.

Pintas de claro cinzento
A escuridão dos actos
Para te convenceres
(porque já não convences ninguém)
Que o que foi escrito
Não era para ofenderes.

Defendes a maldade
(Na vergonha perdida)
Na tentativa de camuflar
A importância da história
Que viveste e de que não queres
Memória.



Fuga na imagem distorcida
Duma realidade não suportada
Pelos teus mais profundos valores
Resultando numa desgastada
Cobardia sem arrependimento
De vítima mascarada.



Maria Sousa

domingo, 3 de novembro de 2013

Quási

Um pouco mais de sol - eu era brasa,
Um pouco mais de azul - eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe d'asa...
Se ao menos eu permanecesse àquem...

Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído
Num baixo mar enganador de espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho - ó dôr! - quási vivido...

Quási o amor, quási o triunfo e a chama,
Quási o princípio e o fim - quási a expansão...
Mas na minh'alma tudo se derrama...
Entanto nada foi só ilusão!

De tudo houve um começo... e tudo errou...
- Ai a dôr de ser-quási, dor sem fim... -
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se elançou mas não voou...

Momentos d'alma que desbaratei...
Templos aonde nunca pus um altar...
Rios que perdi sem os levar ao mar...
Ansias que foram mas que não fixei...

Se me vagueio, encontro só indicios...
Ogivas para o sol - vejo-as cerradas;
E mãos de herói, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sôbre os precipícios...

Num impeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí...
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi...






Um pouco mais de sol - e fôra brasa,
Um pouco mais de azul - e fôra além.
Para atingir, faltou-me um golpe de aza...
Se ao menos eu permanecesse àquem...


Mário de Sá-Carneiro, in 'Dispersão'

Vaidade, tudo vaidade!

Vaidade, meu amor, tudo vaidade!
Ouve: quando eu, um dia, for alguem,
Tuas amigas ter-te-ão amizade,
(Se isso é amizade) mais do que, hoje, têm.

Vaidade é o luxo, a gloria, a caridade,
Tudo vaidade! E, se pensares bem,
Verás, perdoa-me esta crueldade,
Que é uma vaidade o amor de tua mãe...

Vaidade! Um dia, foi-se-me a Fortuna
E eu vi-me só no mar com minha escuna,
E ninguem me valeu na tempestade!

Hoje, já voltam com seu ar composto,
Mas eu, ve lá! eu volto-lhes o rosto...
E isto em mim não será uma vaidade?


António Nobre, in 'Só'

Poema para ingrata

Tu, menosprezas
Quem te presa
Maltratas
Quem te trata,
Ignoras
Quem te prioriza
Tem corizas
De poesia,
Bates
Em que te afaga,
Calas
Teus amantes,
Beijas
Militantes
De uma guerra
Da terra mãe
Perdida...
Quem de nós
Está errado
A mim,
Por te desejar,
Você,
Por me desertar?
Tu, um dia
Quem diria
Quem dirá,
Que vai sofrer
E vai chorar
Amargamente
Francamente...
Não é maltrato,
Tampouco fracasso
Nem maldição
É a justiça
De própria mão.
Mão do passado
Que nunca ouviste
Mão do presente
Que bem viste
Anunciar
Ao futuro cego
Que preparaste
Por que paraste
E não sentiste...



Diego Duarte

Nascente...

24.08.2013 - 1

Para não deixar de amar-te nunca

Saberás que não te amo e que te amo
pois que de dois modos é a vida,
a palavra é uma asa do silêncio,
o fogo tem a sua metade de frio.

Amo-te para começar a amar-te,
para recomeçar o infinito
e para não deixar de amar-te nunca:
por isso não te amo ainda.

Amo-te e não te amo como se tivesse
nas minhas mãos a chave da felicidade
e um incerto destino infeliz.

O meu amor tem duas vidas para amar-te.
Por isso te amo quando não te amo
e por isso te amo quando te amo.


Pablo Neruda, in "Cem Sonetos de Amor"

A Infinita

Vês estas mãos? Mediram
a terra, separaram
os minerais e os cereais,
fizeram a paz e a guerra,
derrubaram as distâncias
de todos os mares e rios
e, no entanto,
quando te percorrem
a ti, pequena,
grão de trigo, calhandra,
não conseguem abarcar-te,
fatigam-se ao agarrar
as pombas gémeas
que repousam ou voam no teu peito,
percorrem as distâncias das tuas pernas,
enrolam-se na luz da tua cintura.
Para mim tu és tesouro mais rico
de imensidade do que o mar e seus cachos
e és branca e azul e extensa como
a terra nas vindimas.
Nesse território,
desde os pés à fronte,
andando, andando, andando,
passarei a vida.


Pablo Neruda, in "Os Versos do Capitão"

Um corpo que se ama

Para quem o deseja e quem o ama
um corpo é sempre belo no seu esplendor
e tudo nele é belo porque é sagrado
e, mesmo na mais plena posse, inviolável.

Um corpo que se ama é uma nascente viva
que de cada poro irrompe irreprimivel
e toda a sua violência é a energia ardente
que gerou o universo e a fantasia dos deuses.

Tudo num corpo que se ama é adorável
na integridade viva de um mistério
na evidência assombrosa da beleza
que se nos oferece inteiramente nua.

Não há visão mais lucida do que a do desejo
e só para ela a nudez é sagrada
como uma torrente vertiginosa ou uma oferenda solar.
Esse olhar vê-o inteiro na perfeição terrestre.


ANTÓNIO RAMOS ROSA, in A ROSA INTACTA (Edição Labirinto, 2007)

Não sei, amor, sequer, se te consinto

Não sei, amor, sequer, se te consinto
ou se te inventas, brilhas, adormeces
nas palavras sem carne em que te minto
a verdade intemida em que me esqueces.

Não sei, amor, se as lavas do vulcão
nos lavam, veras, ou se trocam tintas
dos olhos ao cabelo ou coração
de tudo e de ti mesma. Não que sintas

outra coisa de mais que nos feneça;
mas só não sei, amor, se tu não sabes
que sei de certo a malha que nos teça,

o vento que nos leves ou nos traves,
a mão que te nos dê ou te nos peça,
o princípio de sol que nos acabes.



PEDRO TAMEN, in TÁBUA DAS MATÉRIAS - POESIA 1956-1991 (Tertúlia, 1991)

Ternura

!!ClaraCamargo

Desvio dos teus ombros o lençol
que é feito de ternura amarrotada,
da frescura que vem depois do Sol,
quando depois do Sol não vem mais nada

Olho a roupa no chão que tempestade!
há restos de ternura pelo meio,
como vultos perdidos na cidade
em que uma tempestade sobreveio…

Começas a vestir-te, lentamente,
e é ternura também que vou vestindo,
para enfrentar lá fora aquela gente
que da nossa ternura anda sorrindo

Mas ninguém sonha a pressa com que nós
a despimos assim que estamos sós!


DAVID MOURÃO FERREIRA, in INFINITO PESSOAL OU A ARTE DE AMAR, (Guimarães Ed., 1963)

Palavras minhas

Palavras que disseste e já não dizes,
palavras como um sol que me queimava,
olhos loucos de um vento que soprava
em olhos que eram meus, e mais felizes.

Palavras que disseste e que diziam
segredos que eram lentas madrugadas,
promessas imperfeitas, murmuradas
enquanto os nossos beijos permitiam.

Palavras que dizias, sem sentido,
sem as quereres, mas só porque eram elas
que traziam a calma das estrelas
à noite que assomava ao meu ouvido...

Palavras que não dizes, nem são tuas,
que morreram, que em ti já não existem
- que são minhas, só minhas, pois persistem
na memória que arrasto pelas ruas.


PEDRO TAMEN, in TÁBUA DAS MATÉRIAS - POESIA 1956-1991 (Tertúlia, 1991)

Pode o Céu Ser Tão Longe - Pedro Abrunhosa

Paixão

Podia escrever o teu nome num vidro embaciado ou
segredá-lo a uma borboleta negra.

Podia cortar os pulsos e deixar o sangue correr até que
o mar ficasse vermelho.

Ou beijar-te os pés. Mas esse gesto está reservado
desde o princípio dos séculos e teria o sabor de uma
profanação.


JORGE DE SOUSA BRAGA, in O POETA NU (Lisboa, Fenda Ed., 1999)

domingo, 20 de outubro de 2013

Infindável...

tumblr_mj7eddZCtQ1r4zr2vo1_r1_500

Passeio ao campo

Meu Amor! meu Amante! Meu amigo!
Colhe a hora que passa, hora divina,
Bebe-a dentro de mim, bebe-a comigo!
Sinto-me alegre e forte! Sou menina!

Eu tenho, Amor, a cinta esbelta e fina...
Pele doirada de alabastro antigo...
Frágeis mãos de madona florentina...
- Vamos correr e rir por entre o trigo! –

Há rendas de gramíneas pelos montes...
Papoilas rubras nos trigais maduros...
Água azulada a cintilar nas fontes...

E à volta, Amor... tornemos, nas alfombras
Dos caminhos selvagens e escuros,
Num astro só as nossas duas sombras!...


- Florbela Espanca, in "Charneca em Flor"

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Green God

Trazia consigo a graça
das fontes quando anoitece.
Era um corpo como um rio
em sereno desafio
com as margens quando desce.
.
Andava como quem passa
sem ter tempo de parar.
Ervas nasciam dos passos,
cresciam troncos dos braços
quando os erguia no ar.
.
Sorria como quem dança.
E desfolhava ao dançar
o corpo, que lhe tremia
num ritmo que ele sabia
que os deuses devem usar.
.
E seguia o seu caminho,
porque era um deus que passava.
Alheio a tudo o que via,
enleado na melodia
duma flauta que tocava.


EUGÉNIO DE ANDRADE, in AS MÃOS E OS FRUTOS (Fund. Eugénio de Andrade, 2000)

Noite

Mais uma vez encontro a tua face,
Ó minha noite que julguei perdida.

Mistério das luzes e das sombras
Sobre os caminhos de areia,

Rios de palidez que escorre
Sobre os campos a lua cheia,

Ansioso subir de cada voz
Que na noite clara se desfaz e morre.

Secreto, extasiado murmurar
De mil gestos entre a folhagem

Tristeza das cigarras a cantar.

Ó minha noite, em cada imagem
Reconheço e adoro a tua face,
Tão exaltadamente desejada,
Tão exaltadamente encontrada,
Que a vida há-de passar, sem que ela passe,
Do fundo dos meus olhos onde está gravada.


SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN, in POESIA (1944), in OBRA POÉTICA (Caminho, 2010)

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Dia 281

Conta comigo sempre. Desde a sílaba inicial até à última gota de sangue. Venho do silêncio incerto do poema e sou, umas vezes constelação e outras vezes árvore, tantas vezes equilíbrio, outras tantas tempestade. A nossa memória é um mistério, recordo-me de uma música maravilhosa que nunca ouvi, na qual consigo distinguir com clareza as flautas, os violinos, o oboé.
O sonho é, e será sempre e apenas, dos vivos, dos que mastigam o pão amadurecido da dúvida e a carne deslumbrada das pupilas. Estou entre vazios e plenitudes, encho as mãos com uma fragilidade que é um pássaro sábio e distraído que se aninha no coração e se alimenta de amor, esse amor acima do desejo, bem acima do sofrimento.
Conta comigo sempre. Piso as mesmas pedras que tu pisas, ergo-me da face da mesma moeda em que te reconheço, contigo quero festejar dias antigos e os dias que hão-de vir, contigo repartirei também a minha fome mas, e sobretudo, repartirei até o que é indivisível.
Tu sabes onde estou. Sabes como me chamo. Estarei presente quando já mais ninguém estiver contigo, quando chegar a hora decisiva e não encontrares mais esperança, quando a tua antiga coragem vacilar. Caminharei a teu lado. Haverá decerto algumas flores derrubadas, mas haverá igualmente um sol limpo que interrogará as tuas mãos e que te ajudará a encontrar, entre as respostas possíveis, as mais humildes, quero eu dizer, as mais sábias e as mais livres. Conta comigo. Sempre.

JOAQUIM PESSOA, in ANO COMUM (Ed. Edições Esgotadas, 2ª ed., com lançamento a 15 de Outubro)

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Dá-me

Dá-me um cavalo uma alma uma nave
Algo que voe ou galope ou navegue
E seja azul ou de outra cor mas leve
No seu vagar qualquer coisa que lave

Dá-me uma curva um espelho uma pausa
Algo que brilhe e demore e seduza
E se transforme ao ar em luz difusa
Ou nada ou coisa que não tenha causa

Dá-me um comboio um apito um berlinde
Algo que parta ou que role ou decida
E ao passar perto da hora perdida
Nos traga a rima precisa de brinde

Dá-me um baloiço um esquadro uma vez
Algo que meça que oscile que seja
Uma surpresa o gesto que se beija
A última loucura que se fez

Dá-me um segredo uma cor uma uva
Algo que importe ou se cheire ou escorregue
(mas não tropece nem ceda nem negue)
Por entre dedos ou gotas de chuva

Dá-me uma febre um papel uma esquina
Algo que rasgue ou se dobre ou estremeça
E que se esconda e mais tarde apareça
Sombra de vulto subindo a colina

Dá-me um arco que seja íris
Dá-me um sonho que seja doce
Dá-me um porto que tenha barcos
Dá-me um barco que nunca fosse
Dá-me um remo
Dá-me um prado
Dá-me um reino
Dá-me um verso
Dá-me um cesto
Dá-me um cento

Dá-me só
Um universo


MÁRIO DOMINGOS, in O DESPERTAR DOS VERBOS (Edium Editores, 2011)

sábado, 28 de setembro de 2013

Amar você é coisa de minutos

Amar você é coisa de minutos
A morte é menos que teu beijo
Tão bom ser teu que sou
Eu a teus pés derramado
Pouco resta do que fui
De ti depende ser bom ou ruim
Serei o que achares conveniente
Serei para ti mais que um cão
Uma sombra que te aquece
Um deus que não esquece
Um servo que não diz não
Morto teu pai serei teu irmão
Direi os versos que quiseres
Esquecerei todas as mulheres
Serei tanto e tudo e todos
Vais ter nojo de eu ser isso
E estarei a teu serviço
Enquanto durar meu corpo
Enquanto me correr nas veias
O rio vermelho que se inflama
Ao ver teu rosto feito tocha
Serei teu rei teu pão tua coisa tua rocha
Sim, eu estarei aqui


Paulo Leminski

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

No veludo dos teus olhos

tumblr_mpfpktAmbY1qzprlbo1_500
Sonhadora
De pensamentos ao largo
de olhos postos no vento
com o areal nos dedos
e o coração ao leme
deste momento

Sei-te em mim
No turbilhão
Que me aquece o sangue
Me acalma a mente
Me deixa exangue

E abandonada em mim
entrego-me-Te
Às palavras
Onde em cofre guardadas
Serão alma iluminada
Sentimentos

Só te peço...
Guarda-me-te
Deita fora a chave
Esquece os códigos
Que eu saberei lê-los
No veludo dos teus olhos...


ANA FONSECA, in NO LEITO DO MEU PENSAMENTO (Universus, 2011)

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Até sempre... Brito Ventura & Os Desalinhados

http://youtu.be/zend8TW4thc

Ali na terra fresca

Ali na terra fresca… onde quis apenas ser um caule
De uma flor… que escolhi… no mar jardim teu.

Nos tempos das luas infindáveis… contei nuvens
Olhei o tempo dentro do tempo… e orei pelo sol

Corri no fio horizonte… a junção do teu silêncio
Sorri na nascente do amanhã bonito despertar

E em cada rascunho de palavras sonhadas
Juntava uma pétala da minha assinatura, tua

Recantos de passos juntos no monumento fogo
Verdes de um imenso respirar onde brotam trevos

Sortes cromáticas no dar a mão… desejo sempre
Apelos resumos… ciclos e versículos de leituras

Nos tempos das luas infindáveis… contei nuvens
Olhei o tempo dentro do tempo… e orei pelo sol

Quis ler-te comentário do meu olhar sedento
E apenas descobri uma folha branca sorriso!


JOSÉ LUÍS OUTONO, in DA JANELA DO MEU (A)MAR (Ed. Vieira da Silva, 2011)

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Seria o amor português

Muitas vezes te esperei, perdi a conta,
longas manhãs te esperei tremendo
no patamar dos olhos. Que me importa
que batam à porta, façam chegar
jornais, ou cartas, de amizade um pouco
— tanto pó sobre os móveis tua ausência.

Se não és tu, que me pode importar?
Alguém bate, insiste através da madeira,
que me importa que batam à porta,
a solidão é uma espinha
insidiosamente alojada na garganta.
Um pássaro morto no jardim com neve.

Nada me importa; mas tu enfim me importas.
Importa, por exemplo, no sedoso
cabelo poisar estes lábios aflitos.
Por exemplo: destruir o silêncio.
Abrir certas eclusas, chover em certos campos.
Importa saber da importância
que há na simplicidade final do amor.
Comunicar esse amor. Fertilizá-lo.
«Que me importa que batam à porta...»
Sair de trás da própria porta, buscar
no amor a reconciliação com o mundo.

Longas manhãs te esperei, perdi a conta.
Ainda bem que esperei longas manhãs
e lhes perdi a conta, pois é como se
no dia em que eu abrir a porta
do teu amor tudo seja novo,
um homem uma mulher juntos pelas formosas
inexplicáveis circunstâncias da vida.

Que me importa, agora que me importas,
que batam, se não és tu, à porta?


FERNANDO ASSIS PACHECO, in A MUSA IRREGULAR (Ed. Asa, 1997)

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Porque é que a Gente Não se Dá - Miguel Gameiro -

http://youtu.be/NeDzGxfL5tQ

Para ti

Foi para ti
que desfolhei a chuva
para ti soltei o perfume da terra
toquei no nada
e para ti foi tudo

Para ti criei todas as palavras
e todas me faltaram
no minuto em que talhei
o sabor do sempre

Para ti dei voz
às minhas mãos
abri os gomos do tempo
assaltei o mundo
e pensei que tudo estava em nós
nesse doce engano
de tudo sermos donos
sem nada termos
simplesmente porque era de noite
e não dormíamos
eu descia em teu peito
para me procurar
e antes que a escuridão
nos cingisse a cintura
ficávamos nos olhos
vivendo de um só
amando de uma só vida


- Mia Couto, no livro "Raiz de Orvalho e Outros Poemas"

sábado, 14 de setembro de 2013

Teoria do amor

Amor é mais do que dizer.
Por amor no teu corpo fui além
e vi florir a rosa em todo o ser
fui anjo e bicho e todos e ninguém.

Como Bernard de Ventadour amei
uma princesa ausente em Tripoli
amada minha onde fui escravo e rei
e vi que o longe estava todo em ti.

Beatriz e Laura e todas e só tu
rainha e puta no teu corpo nu
o mar de Itália a Líbia o belvedere.

E quanto mais te perco mais te encontro
morrendo e renascendo e sempre pronto
para em ti me encontrar e me perder.


MANUEL ALEGRE, in OBRA POÉTICA (Pub. Dom Quixote, 1999)

domingo, 8 de setembro de 2013

Uma luz...

!ClaraCamargo..lume

Não adormeças

Não adormeças: o vento ainda assobia no meu quarto
e a luz é fraca e treme e eu tenho medo
das sombras que desfilam pelas paredes como fantasmas
da casa e de tudo aquilo com que sonhes.

Não adormeças já. Diz-me outra vez do rio que palpitava
no coração da aldeia onde nasceste, da roupa que vinha
a cheirar a sonho e a musgo e ao trevo que nunca foi
de quatro folhas; e das ervas húmidas e chãs
com que em casa se cozinham perfumes que ainda hoje
te mordem os gestos e as palavras.

O meu corpo gela à míngua dos teus dedos, o sol vai
demorar-se a regressar. Há tempo para uma história
que eu não saiba e eu juro que, se não adormeceres,
serei tão leve que não hei-de pesar-te nunca na memória,
como na minha pesará para sempre a pedra do teu sono
se agora apenas me olhares de longe e adormeceres.


MARIA DO ROSÁRIO PEDREIRA, in A CASA E O CHEIRO DOS LIVROS (Quetzal, 1996), in POESIA REUNIDA (Quetzal, 2012)

Não tenhas medo do amor

Não tenhas medo do amor. Pousa a tua mão
devagar sobre o peito da terra e sente respirar
no seu seio os nomes das coisas que ali estão a
crescer: o linho e genciana; as ervilhas-de-cheiro
e as campainhas azuis; a menta perfumada para
as infusões do verão e a teia de raízes de um
pequeno loureiro que se organiza como uma rede
de veias na confusão de um corpo. A vida nunca

foi só Inverno, nunca foi só bruma e desamparo.
Se bem que chova ainda, não te importes: pousa a
tua mão devagar sobre o teu peito e ouve o clamor
da tempestade que faz ruir os muros: explode no
teu coração um amor-perfeito, será doce o seu
pólen na corola de um beijo, não tenhas medo,
hão-de pedir-to quando chegar a primavera.


MARIA DO ROSÁRIO PEDREIRA, in NENHUM NOME DEPOIS (2004), in POESIA REUNIDA Quetzal, 2012)

Se terminar este poema, partirás

Se terminar este poema, partirás. Depois da
mordedura vá do meu silêncio e das pedras
que te atirei ao coração, a poesia é a última
coincidência que nos une. Enquanto escrevo

este poema, a mesma neblina que impede a
memória límpida dos sonhos e confunde os
navios ao retalharem um mar desconhecido

está dentro dos meus olhos — porque é difícil
olhar para ti neste preciso instante sabendo que
não estarias aqui se eu não escrevesse. E eu, que

continuo a amar-te em surdina com essa inércia
sóbria das montanhas, ofereço-te palavras, e não
beijos, porque o poema é o único refúgio onde
podemos repetir o lume dos antigos encontros.

Mas agora pedes-me que pare, que fique por aqui,
que apenas escreva até ao fim mais esta página
(que, como as outras, será somente tua — esse

beijo que já não desejas dos meus lábios). E eu, que
aprendi tudo sobre as despedidas porque a saudade
nos faz adultos para sempre, sei que te perderei

em qualquer caso: se terminar o poema, partirás;

e, no entanto, se o interromper, desvanecer-se-á
a última coincidência que nos une.



MARIA DO ROSÁRIO PEDREIRA, in O CANTO DOS VENTOS NOS CIPRESTES (Gótica, 2002), in POESIA REUNIDA (Quetzal, 2012)

sábado, 7 de setembro de 2013

Deita-te aqui

Deita-te aqui - esta noite, dentro de mim,
está tanto frio. Se fores capaz, cobre-me de
beijos: talvez assim eu possa esquecer para
sempre quem me matou de amor, ou morrer
de uma vez sem me lembrar. Isso, abraça-me

também: onde os teus dedos tocarem há uma
ferida que o tempo não consegue transportar.
Mas fecho os olhos, se tu não te importares, e
finjo que essa dor é uma mentira. Claro, o que

quiseres está bem - tudo, ou qualquer coisa,
ou mesmo nada serve, desde que o frio fique
no laço das tuas mãos e não regresse ao corpo
que te deixo agora sepultar. Não sentes frio, tu,

dentro de mim? Nunca nevou de madrugada no
teu quarto? Que país é o teu? Que idade tens?
Não, prefiro não saber como te chamas


MARIA DO ROSÁRIO PEDREIRA, in NENHUM NOME DEPOIS ( Gótica, 2ª. Ed., 2005), in in POESIA REUNIDA (Quetzal, 2012)

terça-feira, 3 de setembro de 2013

Ser Suspeito

http://youtu.be/SRFD5LtQuug

Não posso fingir,
Um gesto que faça, um olhar,
Vês logo se estou a mentir,
Já sabes que volta me dar.

Já sabes de mim
Mais do que devias saber;
Mas olha, ainda bem que é assim,
Para o caso de um dia eu me perder.

Foi sempre meio tremida
A linha da minha vida

Guarda as chaves do jardim,
Sou suspeito.
Guarda o que resta de mim
Junto ao peito

Afasta de mim,
Ou faz-me um sinal a tempo,
Há coisas que digo e que faço
E que depois me lamento.

Foi sempre meio tremida
A linha da minha vida.

Guarda as chaves do jardim,
Sou suspeito.
Guarda o que resta de mim
Junto ao peito

É como se fosse uma força estranha
Um canto frio de sereia
Chamando do fundo do mar.

Guarda as chaves do jardim,
Sou suspeito.
Guarda o que resta de mim
Junto ao peito


Paulo Gonzo

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

A vida quis assim

http://youtu.be/GigU0fXEo1Y

Me fale das andanças, ex amor
Dos melhores momentos que passou
Me fale que vou te falar dos meus
Eu tenho todo tempo pra ouvir
Os melhores momentos que eu vivi
São todos que passei ao lado teu.

Mas se você quiser não vou lembrar,
Pra não te constranger
Me ver chorar
A gente fala então do que virá
Eu tenho toda vida pela frente
E vou viver da forma mais urgente
Quem sabe um dia eu pare de te amar.

E mesmo que isso possa acontecer
Eu vou sentir saudade de você
Que culpa pode ter o coração
Que pena que a vida quis assim
Você viver feliz longe de mim
A dor rindo da minha solidão...

Se alguém vier pedir o meu conselho
A gente não aprende no espelho
A gente vive e sofre pra aprender
Cada amor é tanto e diferente
A vida insiste em dar esse presente
Comece o dia amando mais você!

E mesmo que isso possa acontecer e
Eu vou sentir saudade de você
Que culpa pode ter o coração
Que pena que a vida quis assim
Você viver feliz longe de mim
A dor rindo da minha solidão

OSWALDO MONTENEGRO

domingo, 1 de setembro de 2013

Dia 1 de Setembro 2013

tumblr_lqje76yxmD1qk5kz8o1_400

Te quero

Tuas mãos são minha carícia
Meus acordes cotidianos
Te quero porque tuas mãos
Trabalham pela justiça

Se te quero é porque tu és
Meu amor, meu cúmplice e tudo
E na rua lado a lado
Somos muito mais que dois

Teus olhos são meu conjuro
Contra a má jornada
Te quero por teu olhar
Que olha e semeia futuro

Tua boca que é tua e minha
Tua boca não se equivoca
Te quero porque tua boca
Sabe gritar rebeldia

Se te quero é porque tu és
Meu amor, meu cúmplice e tudo
E na rua lado a lado
Somos muito mais que dois

E por teu rosto sincero
E teu passo vagabundo
E teu pranto pelo mundo
Porque és povo te quero

E porque o amor não é auréola
Nem cândida moral
E porque somos casal
Que sabe que não está só

Te quero em meu paraíso
E dizer que em meu país
As pessoas vivem felizes
Embora não tenham permissão

Se te quero é porque tu és
Meu amor, meu cúmplice e tudo
E na rua lado a lado
Somos muito mais que dois.


MARIO BENEDETTI

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Quero

Quero que todos os dias do ano
todos os dias da vida
de meia em meia hora
de 5 em 5 minutos
me digas: Eu te amo.

Ouvindo-te dizer: Eu te amo,
creio, no momento, que sou amado.
No momento anterior
e no seguinte,
como sabê-lo?

Quero que me repitas até a exaustão
que me amas que me amas que me amas.
Do contrário evapora-se a amação
pois ao não dizer: Eu te amo,
desmentes
apagas
teu amor por mim.

Exijo de ti o perene comunicado.
Não exijo senão isto,
isto sempre, isto cada vez mais.
Quero ser amado por e em tua palavra
nem sei de outra maneira a não ser esta
de reconhecer o dom amoroso,
a perfeita maneira de saber-se amado:
amor na raiz da palavra
e na sua emissão,
amor
saltando da língua nacional,
amor
feito som
vibração espacial.
No momento em que não me dizes:
Eu te amo,
inexoravelmente sei
que deixaste de amar-me,
que nunca me amastes antes.

Se não me disseres urgente repetido
Eu te amoamoamoamoamo,
verdade fulminante que acabas de desentranhar,
eu me precipito no caos,
essa coleção de objetos de não-amor.


Carlos Drummond de Andrade

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Feliz dia para quem é

Feliz dia para quem é
O igual do dia,
E no exterior azul que vê
Simples confia!

Azul do céu faz pena a quem
Não pode ser
Na alma um azul do céu também
Com que viver

Ah, e se o verde com que estão
Os montes quedos
Pudesse haver no coração
E em seus segredos!

Mas vejo quem devia estar
Igual do dia
Insciente e sem querer passar.
Ah, a ironia

De só sentir a terra e o céu
Tão belo ser
Quem de si sente que perdeu
A alma p’ra os ter!


- Fernando Pessoa, in "Cancioneiro"

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Deitei-me na areia da praia que amo

Deitei-me na areia da praia que amo,
cobri-me com ondas que molham meu ser.
Até nós veio o Sol, que desceu por um ramo,
como candeeiro do amor que só por ti sei ter!
Moldei o meu corpo na doçura do teu,
com gemidos nascidos no prazer da entrega,
e o tempo passou, e o tempo correu
e tu mulher praia, de amor te vi cega!
Depois veio a lua, tranquila, serena,
acompanhar as ondas que os corpos faziam.
Entretanto o vento, numa brisa amena,
trazia-nos aos ouvidos o que os lábios diziam!
Com a manhã chegada, com os olhos cansados,
a espuma das ondas fugiu para ti.
Entrega sublime! Ficámos parados!...
Olhei-te nos olhos! Sorriste...e eu sorri!!!...

Virgílio Caseiro

O teu sorriso

E se o céu fosse só isto…?
As nuvens dos teus lábios
O infindável azul da tua boca…
e eu feito ave louca
a sobrevoar-te num beijo
a embebedar-te de desejo
a morar no teu sorriso…
Ai, se o céu fosse só isto
e nada mais fosse preciso!


JOÃO MORGADO, in RIO DE DOZE ÁGUAS, 12 POETAS (Coisas de Ler Ed., 2012)

domingo, 18 de agosto de 2013

Dance me to the end of love - Leonard Cohen

http://youtu.be/L0MVxa5U-pM

Praia-mar, baixa-mar

amo-te quando anoitece
e as estrelícias reluzem
uma última vez aos raios de sol
as gaivotas indecisam-se
entre terra, doca e algum convés preguiçoso de mangueira,
só.

amo-te enquanto a noite desce
ou vem ou entra
porque nunca saberemos ao certo
se é a noite que baixa até nós
ou se somos nós alçados pela lua
para permitir os trabalhos esmerados
da mais árdua poesia das matérias, da voz mais sábia e mais silenciosa,
só.

amo-te ao ritmo da maré vaza
sem ansiedades nem licitações ou metas
vogando entre o oceano e o areal
impunemente líquida e dançarina
sulcando cada músculo teu
com doces espumas doces línguas
saboreando a teus seixos lisos
teus pequenos rochedos enigmáticos
e a toda a pedra que faz de teu corpo
farol mastro homem,
só.

amo-te, maré a incitar o areal
em idas-e-vindas incansáveis
por sabermos da eternidade dos sabores
agri-doces, ora em flor, ora em grânulo, ora em pó, sabor de sal,
só.

amo-te, sempre de novo. só.



maria toscano ©
Comboio Regional Aveiro-Coimbra-B, 17 Agosto/2013.

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Inventário

De que sedas se fizeram os teus dedos,
De que marfim as tuas coxas lisas,
De que alturas chegou ao teu andar
A graça de camurça com que pisas.
-
De que amoras maduras se espremeu
O gosto acidulado do teu seio,
De que Índias o bambu da tua cinta,
O oiro dos teus olhos, donde veio.
-
A que balanço de onda vais buscar
A linha serpentina dos quadris,
Onde nasce a frescura dessa fonte
Que sai da tua boca quando ris.
-
De que bosques marinhos se soltou
A folha de coral das tuas portas,
Que perfume te anuncia quando vens
Cercar-me de desejo a horas mortas.


JOSÉ SARAMAGO, in OS POEMAS POSSÍVEIS ( Editorial Caminho, 6ª ed., 1997)

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Um Ser Amor - Paula Fernandes

http://youtu.be/8IDfbI8vmuI

Corpo ausente

Mistério, esse, o da vida...
Aquele que morre nos ponteiros do tempo
Das almas guardadas num oceano sem fundo
Porque os corpos já não comandam
Os dias que passam, inúteis...

Guardei no bolso o sonho
Porque nos olhos já não cabia!
Era grande demais, e os olhos são pequenos...
O bolso, é fundo e escuro
Acomoda a eternidade do que é utópico.

Tomo café, ainda assim, todas as manhãs
Com os raios de sol que cabem nas palmas das minhas mãos
E vêm plantar esperança na seiva que corre em mim.

E na sombra da minha silhueta
Planto o silêncio que o vento afaga
Trémulas, as minhas mãos? Não!
Fazem parte do meu corpo ausente
Que adormeceu, há muito, nos braços da terra.


CECÍLIA VILAS BOAS, in O ECO DO SILÊNCIO (Esfera do Caos, 2012)

O Grito do Mar ou Tempos de Raiva

Não há entardeceres que sejam só o desmaiar de cores e o último grito de fogo do Sol.
Não há esperanças despidas do sangue das almas de pouca força. Tudo se mistura.
Os anseios de uns provocam a queda de corpos vivos de outros.
As bandeiras içadas têm braços de mortos a erguê-las ainda.
E há os cegos. Os que passam por tudo isto sem o ver porque ainda lhes sobra uma centelha do conforto de Ter.
Não há sobretudo Silêncio.
Tudo grita.
O Mar grita por gente afoita que um dia conheceu e se afundou em espuma de memórias.
Gritam os esfomeados já sem voz com o som a sair-lhes dos olhos vidrados.
Grita o espírito dos heróis por lhes terem vendido as lutas fatais que um dia venceram. Para todos.
Não há Silêncio.
Mas há os silêncios vis. E esses são muitos. Silêncios que se alimentam da concordância dos cobardes . Da conivência dos que ainda acreditam ter algo a ganhar.
Não haverá vencedores na Guerra da Fome a menos que uns comam os outros no final. Mesmo assim não é uma vitória. Será a última saída.
Ergo o meu braço num aceno ao Futuro que nunca verei e em que pouco acredito.
Mas ergo-o como quem hasteia uma bandeira toda negra com letras brancas a dizer apenas – EXISTO .


Lisboa, 13-08-2013
Madalena Pestana

terça-feira, 13 de agosto de 2013

Só vou gostar de quem gosta de mim

http://youtu.be/6L-e7P9sCcE

De hoje em diante
Eu vou modificar
O meu modo de vida
Naquele instante
Em que você partiu
Destruiu nosso amor
Agora não vou mais chorar
Cansei de esperar
De esperar enfim
E prá começar
Eu só vou gostar
De quem gosta de mim...

Não quero com isso
Dizer que o amor
Não é bom sentimento
A vida é tão bela
Quando a gente ama
E tem um amor
Por isso é que eu vou mudar
Não quero ficar
Chorando até o fim
E prá não chorar
Eu só vou gostar
De quem gosta de mim...

Não vai ser fácil
Eu bem sei
Eu já procurei
Não encontrei meu bem
A vida é assim
Eu falo por mim
Pois eu vivo sem ninguém...

De hoje em diante
Eu vou modificar
O meu modo de vida
Naquele instante
Em que você partiu
Destruiu nosso amor
Agora não vou mais chorar
Cansei de esperar
De esperar enfim
E prá começar
Eu só vou gostar
De quem gosta de mim...


Caetano Veloso

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Infindável ...

tumblr_mj7eddZCtQ1r4zr2vo1_r1_500

Amei-te e por te amar...

Amei-te e por te amar
Só a ti eu não via…
Eras o céu e o mar,
Eras a noite e o dia…
Só quando te perdi
É que eu te conheci…

Quando te tinha diante
Do meu olhar submerso
Não eras minha amante…
Eras o Universo…
Agora que te não tenho,
És só do teu tamanho.

Estavas-me longe na alma,
Por isso eu não te via…
Presença em mim tão calma,
Que eu a não sentia.
Só quando meu ser te perdeu
Vi que não eras eu.

Não sei o que eras. Creio
Que o meu modo de olhar,
Meu sentir meu anseio
Meu jeito de pensar…
Eras minha alma, fora
Do Lugar e da Hora…

Hoje eu busco-te e choro
Por te poder achar
Não sequer te memoro
Como te tive a amar…
Nem foste um sonho meu…
Porque te choro eu?

Não sei… Perdi-te, e és hoje
Real no […] real…
Como a hora que foge,
Foges e tudo é igual
A si-próprio e é tão triste
O que vejo que existe.

Em que és […] fictício,
Em que tempo parado
Foste o (…) cilício
Que quando em fé fechado
Não sentia e hoje sinto
Que acordo e não me minto…


Fernando Pessoa - Poesia Completa
Editora Nova Aguilar - 1992

domingo, 11 de agosto de 2013

Miedo a armar

Toda persona nace para amar y ser amada, porque el amor es parte de la vida. Amar implica una profunda entrega, una lucha y preocupación constante y profunda por los que se aman y, si es necesario, hasta morir por ellos. Sin embargo, muchas veces, y paradójicamente, mientras más se ama, más se sufre y se experimenta dolor. Muchas personas tienen un miedo obsesivo y espantoso a sufrir y prefieren sacrificar la experiencia más grande que puede darnos la vida que es sentir amor.

En vez de amar y sufrir, la persona cambia su corazón de carne por uno de piedra, para ser insensible e indiferente a los demás, al sufrimiento humano y a las necesidades del prójimo. Una persona así puede vivir una vida supuestamente "feliz" porque no sufre, pero tampoco ama. Si una persona no ama, no ha vivido; si no ha vivido, ha fracasado totalmente. Vivirá más o menos tranquila, pero cuando muera muy pocos la recordarán, porque no dejará una huella positiva en la vida de ninguna persona.

A veces parece que no existe amor sin dolor, sin sufrimiento y que éste es parte del precio que hay que pagar por amar, pero no es así, el Amor no tiene por qué estar asociado al dolor; intentad contribuir para generar más sentimientos de autenticidad y volveros poco a poco más transparente hacia los demás, de este modo erradicaréis por siempre esa componente de sufrimiento presente en algunos actos de amor.

Una de las cosas más hermosas que le puede suceder a un ser humano es vivir en el corazón de otros. Lo más triste es no ser nada para nadie; no tener resonancia en el corazón de alguien. Es triste vivir sin amar y morir sin haber amado.


Angel Luis Fernández

sábado, 10 de agosto de 2013

O último amor

Era o último amor. A casa fria,
os pés molhados no escuro chão.
Era o último amor e não sabia
esconder o rosto em tanta solidão.

Era o último amor. Quem adivinha
o sabor breve pela escuridão?
Quem oferece frutos nessa neve?
Quem rasga com ternura o que foi verão?

Era o último amor, o mais perfeito
fulgor do que viveu sem as palavras.
Era o último amor, perfil desfeito
entre lumes e vozes e passadas.

Era o último amor e não sabia
que os pés à terra nua oferecia


LUÍS FILIPE CASTRO MENDES in OS AMANTES OBSCUROS, incluído em POESIA REUNIDA, (Quetzal, 1999)

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Soneto do Amor Total

Amo-te tanto, meu amor ... não cante
O humano coração com mais verdade ...
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade.

Amo-te afim, de um calmo amor prestante
E te amo além, presente na saudade.
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.

Amo-te como um bicho, simplesmente
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.

E de te amar assim, muito e amiúde
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude.


Vinícius de Moraes

Jota Quest -- Só Hoje

http://youtu.be/2XOL0EckLcg

Como dizia o poeta

Como dizia o poeta
Quem já passou por essa vida e não viveu
Pode ser mais, mas sabe menos do que eu
Porque a vida só se dá pra quem se deu
Pra quem amou, pra quem chorou, pra quem sofreu
Ah, quem nunca curtiu uma paixão nunca vai ter nada, não
Não há mal pior do que a descrença
Mesmo o amor que não compensa é melhor que a solidão
Abre os teus braços, meu irmão, deixa cair
Pra que somar se a gente pode dividir
Eu francamente já não quero nem saber
De quem não vai porque tem medo de sofrer
Ai de quem não rasga o coração, esse não vai ter perdão
Quem nunca curtiu uma paixão, nunca vai ter nada, não.


Vinícius de Moraes

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Entrego-te as palavras

entrego-te as palavras mais brandas
que entre os meus dedos construí
para alimentar de ti os recantos da casa
invadindo o coração da noite

entrego-te as palavras com a redonda luz
das maçãs sobre a mesa e o rumor da água
rasgando o caminho da paixão
em horas que já não conseguimos sem ajuda recordar
mas que habital a mais frágil memória de nós próprios

palavras jorrando dos meus olhos
invadindo-te o sono e tropeçando
nas esquinas das frases que decoro
ao longo dos veios da tua pele

e a verdade é que nunca terei outra história
para além da que nos aconteceu
e que ficamos à espera de um dia perceber melhor

porque nunca ninguém se prepara convenientemente
para a chegada do amor
e ele é sempre um convidado estranho
sentado em silêncio na penumbra da sala
olhando os quadros o chão o tecto

como um velho parente da província
com medo de dizer o que não deve


ALICE VIEIRA, DOIS CORPOS TOMBANDO NA ÁGUA (Caminho, 2011)

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

ZZ Top - La Grange

http://youtu.be/Vppbdf-qtGU

Casa

Tentei fugir da mancha mais escura
que existe no teu corpo, e desisti.
Era pior que a morte o que antevi:
era a dor de ficar sem sepultura.

Bebi entre os teus flancos a loucura
de não poder viver longe de ti:
és a sombra da casa onde nasci,
és a noite que à noite me procura.

Só por dentro de ti há corredores
e em quartos interiores o cheiro a fruta
que veste de frescura a escuridão...

Só por dentro de ti rebentam flores.
Só por dentro de ti a noite escuta
o que me sai, sem voz, do coração.


DAVID MOURÃO-FERREIRA, in INFINITO PESSSOAL (1959-1962), in OBRA POÉTICA (1948-1988), (Presença, 1988)

quarta-feira, 31 de julho de 2013

Nos sonhos, eu amo

Fecho os olhos
Todas as noites,
Adormeço contigo em sonhos
Sempre abraçados, junto a fontes,
Desfolho os teus lábios
Descanso no teu aconchego,
Tudo isto, em volta de sentimentos
Quando, nem que seja só pela noite, a ti chego,
Tudo na noite é claro
Tudo brilha ao teu redor,
Só por si, a magia do teu olhar
Faz-me amar, e gostar de ser um sonhador,
No fundo consigo ouvir
A melodia do teu olhar,
E a sonhar é quando te consigo sentir
Desejando jamais acordar,
O sonho é real
Ninguém o destrói,
Não se trata apenas de se ser sentimental
Porque cada um tem aquilo que constrói,
Hoje, sejamos fortes
Que seja tempo de abrir os olhos,
Espalhando todas as sementes
Que nos dão vida, em nossos sonhos,
Sejamos amor
Em tudo o que nos rodeia,
Mas sem nunca esquecer a dor
Pois o Homem colhe, tudo aquilo que semeia.



António Vieira Da Silva

Tem gente que tem cheiro de passarinho quando canta

Tem gente que tem cheiro de passarinho quando canta.
De sol quando acorda.
De flor quando ri.
Ao lado delas, a gente se sente
no balanço de uma rede que dança gostoso
numa tarde grande, sem relógio e sem agenda.
Ao lado delas, a gente se sente
comendo pipoca na praça.
Lambuzando o queixo de sorvete.
Melando os dedos com algodão doce
da cor mais doce que tem pra escolher.
O tempo é outro.
E a vida fica com a cara que ela tem de verdade,
mas que a gente desaprende de ver.
Tem gente que tem cheiro de colo de Deus.
De banho de mar quando a água é quente e o céu é azul.
Ao lado delas, a gente sabe
que os anjos existem e que alguns são invisíveis.
Ao lado delas, a gente se sente
chegando em casa e trocando o salto pelo chinelo.
Sonhando a maior tolice do mundo
com o gozo de quem não liga pra isso.
Ao lado delas, pode ser abril,
mas parece manhã de Natal
do tempo em que a gente acordava e encontrava
o presente do Papai Noel.
Tem gente que tem cheiro das estrelas
que Deus acendeu no céu e daquelas que conseguimos
acender na Terra.
Ao lado delas, a gente não acha
que o amor é possível, a gente tem certeza.
Ao lado delas, a gente se sente visitando
um lugar feito de alegria.
Recebendo um buquê de carinhos.
Abraçando um filhote de urso panda.
Tocando com os olhos os olhos da paz.
Ao lado delas, saboreamos a delícia
do toque suave que sua presença sopra no nosso coração.
Tem gente que tem cheiro de cafuné sem pressa.
Do brinquedo que a gente não largava.
Do acalanto que o silêncio canta.
De passeio no jardim.
Ao lado delas, a gente percebe
que a sensualidade é um perfume
que vem de dentro e que a atração
que realmente nos move não passa só pelo corpo.
Corre em outras veias.
Pulsa em outro lugar.
Ao lado delas, a gente lembra
que no instante em que rimos Deus está connosco,
juntinho ao nosso lado.
E a gente ri grande que nem menino arteiro.
Tem gente como você que nem percebe
como tem a alma Perfumada!
E que esse perfume é dom de Deus.


Carlos Drummond de Andrade

sábado, 27 de julho de 2013

Pegue-me de volta em teus braços de amor

Pegue-me de volta em teus braços de amor
deixa eu sentar denovo no teu colo
como uma menina que eu adoro ser
Precise de mim denovo como você precisa do ar
pra poder respirar que assim virá ao meu encontro
Me toque novamente me toque varias vezes de todos os jeitos, em todos os seus dias enquanto você viver .
E se houver dentro de você alguma duvida de que podemos mesmo dar certo e ficarmos bem...
Se lembre de quando eu não existia no seu mundo
Se lembre do quanto nos procuramos
e que nunca, nunca você amou tanto uma mulher assim,
como faz comigo.
Não vá mais, você sabe que estará me deixando
aqui sem meu coração, o levando com você,
Eu sou aquela que sempre vai ficar a amar você,
E você sabe que eu ainda estarei aqui quando você voltar,.
Sou aquela que quer ser a sua doce mulher,
a sua mais louca fantasia,
a sua busca e o seu encontro incansável,
a sua surpresa constante,
sou a sua mais sincera risada,
Você verá, você saberá o que eu posso te dar,
Mais pra isso acontecer,você terá que arriscar,
terá que me pegar,
Posso ser tudo o que você precisa,
Ou se me deixar aqui, posso ser o seu nada
Deixe-me ser aquela a te amar mais,
cada dia mais,
Me veja, como se você nunca tivesse me visto,
Me abrace bem forte
de tal maneira que não consiga me soltar,
e então você não poderá mais ir ,
Entre dentro de mim,
de uma tal maneira que você fique todo grudado,
assim ninguém mais poderá nos separar,
Apenas acredite em mim, aprecie comigo cada segundo,
Eu te farei ver todas as mais lindas coisas,
esclarecerei todas as duvidas que o seu coração precisa saber.
E de alguma forma, todo o amor que temos poderá ser salvo,.
Nós encontraremos sempre juntos um jeito.
Do que você precisa?
Faço tudo por você,
é só me pedir..
Faço o que você quiser
não porque você pede, ou precisa,
mas porque me sinto bem,
e sou alguém melhor depois que descobri
o que é amar.


Thaís Fernanda

Eu que me Aguente Comigo

"Contudo, contudo,
Também houve gládios e flâmulas de cores
Na Primavera do que sonhei de mim.
Também a esperança
Orvalhou os campos da minha visão involuntária,
Também tive quem também me sorrisse.
Hoje estou como se esse tivesse sido outro.
Quem fui não me lembra senão como uma história apensa.
Quem serei não me interessa, como o futuro do mundo.

Caí pela escada abaixo subitamente,
E até o som de cair era a gargalhada da queda.
Cada degrau era a testemunha importuna e dura
Do ridículo que fiz de mim.

Pobre do que perdeu o lugar oferecido por não ter casaco limpo com que aparecesse,
Mas pobre também do que, sendo rico e nobre,
Perdeu o lugar do amor por não ter casaco bom dentro do desejo.
Sou imparcial como a neve.
Nunca preferi o pobre ao rico,
Como, em mim, nunca preferi nada a nada.

Vi sempre o mundo independentemente de mim.
Por trás disso estavam as minhas sensações vivíssimas,
Mas isso era outro mundo.
Contudo a minha mágoa nunca me fez ver negro o que era cor de laranja.
Acima de tudo o mundo externo!
Eu que me aguente comigo e com os comigos de mim."


Álvaro de Campos - Poemas
Heterónimo de Fernando Pessoa

quarta-feira, 24 de julho de 2013

Vem comigo

vem comigo
ver as pirâmides fantásticas do vento
no interior luminoso da terra encontrarás
o segredo de quartzo para desvendares o tempo
onde contemplamos a fulva doçura das cerejas

iremos para onde os restos de vida não acordem
a dor da imensa árvore a sombra
dos cabelos carregados de pólenes e de astros
crescemos lado a lado com o dragão
o súbito relâmpago dos frutos amadurecendo
iluminará por um instante as águas do jardim
e o alecrim perfumará os noctívagos passos
há muito prisioneiros no barro
onde o rosto se transforme e morre
e já não nos pertence

vem comigo
praticar essa arte imemorial de quem espera
não se sabe o quê junto à janela
encolho-me
como se fechasse uma gaveta para sempre
caminhasse onde caiu um lenço
mas levanto os olhos
quando o verão entra pelo quarto e devassa
esta humilde existência de papel

vem comigo
as palavras nada podem revelar
esqueci-as quase todas onde vislumbro um fogo
pegando fogo ao corpo mais próximo do meu


AL BERTO, in O MEDO ( Assírio & Alvim, 1987)

Soneto de fidelidade

De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure

Vinicius de Moraes

segunda-feira, 22 de julho de 2013

Cuando Me Enamoro - Enrique Iglesias

http://www.youtube.com/watch?v=4DO8GsIYfhQ

Lição de vida

Un día mi madre me preguntó ¿cuál era la parte más importante del cuerpo?
A través de los años trataría de buscar la respuesta correcta.
Cuando era más joven, pensé que el sonido era muy importante para nosotros, por eso dije,
- "Mis oídos, Mamá". Ella dijo:
"No, muchas personas son sordas y se arreglan perfectamente." Pero sigue pensando, te preguntaré de nuevo."

Varios años pasaron antes de que ella lo hiciera. Desde aquella primera vez, yo había creído encontrar la respuesta correcta. Y es así que le dije:
- "Mamá, la vista es muy importante para todos, entonces deben ser nuestros ojos." Ella me miró y me dijo:
- "Estás aprendiendo rápidamente, pero la respuesta no es correcta porque hay muchas personas que son ciegas, y salen adelante aun sin sus ojos".

Continué pensando ¿cuál era la solución? A través de los años, mi madre me preguntó un par de veces más, y ante mis respuestas la suya era:
"No, pero estás poniéndote más inteligente con los años, pronto acertarás".

Hace algunos años, mi abuelo murió. Todos estábamos dolidos. Lloramos. Incluso mi padre lloró. Recuerdo esto sobre todo porque fue la segunda vez que lo vi llorar. Mi madre me miraba cuando fue el momento de dar el adiós final al abuelo.Entonces me preguntó,
- " ¿No sabes todavía cuál es la parte más importante del cuerpo, hijo?". Me asusté cuando me preguntó justo en ese momento. Yo siempre había creído que ese era un juego entre ella y yo. Pero ella vio la confusión en mi cara y me dijo,
- "Esta pregunta es muy importante. Para cada respuesta que me diste en el pasado, te dije que estabas equivocado y te he dicho por qué. Pero hoy es el día en que necesitas saberlo.

Ella me miraba como sólo una madre puede hacerlo, Vi sus ojos! llenos de lágrimas, y la abracé. Fue entonces cuando apoyada en mí, me dijo:
- "Hijo, la parte del cuerpo más importante es tu hombro". Le pregunté, "¿Es porque sostiene mi cabeza?" Y ella respondió:
- "No, es porque puede sostener la cabeza de un ser amado o de un amigo cuando llora.

Todos necesitamos un hombro para llorar algún día en la vida, hijo mío. Yo sólo espero que tengas amor y amigos, y así siempre tendrás un hombro donde llorar cuando lo necesites,como yo ahora necesito el tuyo."


Roxana Vill

Arrependimentos antes de morrer

Bronnie Ware é uma enfermeira australiana que durante vários anos trabalhou numa unidade de cuidados paliativos para doentes terminais. No seu blog – Inspiration and Chai – compilou as cinco coisas que as pessoas à beira do fim mais se arrependem de não ter feito.
Ware afirma que as pessoas «crescem imenso quando confrontadas com a sua mortalidade» e que cada indivíduo passa por uma «grande variedade de emoções», «negação, medo, raiva, remorso, mais negação e, eventualmente, aceitação».

Quando questionados sobre o que gostariam de ter feito de forma diferente em vida, os pacientes repetiam frequentemente os temas. Essas respostas foram compiladas e deram origem ao livro 'The Top Five Regrets of The Dying'.

Aqui fica um resumo dos principais arrependimentos das pessoas no leito de morte, tais como foram testemunhados por Bronnie Ware.


********************************


Quem me dera ter tido a coragem de viver de acordo com as minhas convicções e não de acordo com as expectativas dos outros. «Este é o arrependimento mais comum. Quando as pessoas se apercebem de que a sua vida esta a chegar ao fim e olham para trás, percebem quantos sonhos ficaram por realizar. (…) A saúde traz consigo uma liberdade de que poucos se apercebem que têm, até a perderem».



Quem me dera não ter trabalhado tanto. «Este era um arrependimento comum em todos meus pacientes masculinos. Arrependiam-se de terem perdido a infância dos filhos e de não terem desfrutado da companhia das pessoas queridas. (…) Todas as pessoas que tratei se arrependiam de terem passado muita da sua existência nos ‘meandros’ do trabalho».



Quem me dera ter tido coragem de expressar os meus sentimentos. «Muitas pessoas suprimiram os seus sentimentos, para se manterem em paz com as outras pessoas. Como resultado disso, acostumaram-se a uma existência medíocre e nunca se transformaram nas pessoas que podiam ter sido. Muitos desenvolveram doenças cujas causas foram a amargura e ressentimento que carregavam como resultado dessa forma de viver».



Quem me dera ter mantido contacto com os meus amigos. «Muitas vezes as pessoas só se apercebem dos benefícios de ter velhos amigos quando estão perto da morte e já é impossível voltar a encontrá-los. (…) Muitos ficam profundamente amargurados por não terem dedicado às amizades o tempo e esforço que mereciam. Todos sentiam a falta dos amigos quando estavam às portas da morte».



Quem me dera ter-me permitido ser feliz. «Muitos só perceberam no fim que a felicidade era uma escolha. Mantiveram-se presos a velhos padrões e hábitos antigos. (…) O medo da mudança fê-los passarem a vida a fingirem aos outros e a si mesmos serem felizes, quando, bem lá no fundo, tinham dificuldade em rir como deve ser».

sábado, 20 de julho de 2013

Não posso adiar o amor para outro século

Não posso adiar o amor para outro século
não posso
ainda que o grito sufoque na garganta
ainda que o ódio estale e crepite e arda
sob as montanhas cinzentas
e montanhas cinzentas

Não posso adiar este abraço
que é uma arma de dois gumes amor e ódio
Não posso adiar
ainda que a noite pese séculos sobre as costas
e a aurora indecisa demore
não posso adiar para outro século a minha vida
nem o meu amor
nem o meu grito de libertação

Não posso adiar o coração.


ANTÓNIO RAMOS ROSA, in VIAGEM ATRAVÉS DUMA NEBULOSA (1960) e ANTOLOGIA POÉTICA (Publ. D. Quixote, 2001)

sexta-feira, 19 de julho de 2013

Você saberá que é amada

Você saberá que é amada
Quando ele te olhar com mais carinho do que desejo
Com mais ternura do que paixão

Você saberá que é amada
Quando ele pedir mil desculpas por ter chegado atrasado
E você perceber nos olhos dele
Que ele está com o coração na mão

Você saberá que é amada
Quando ele não medir esforços para te ver
Para te agradar
Nem para demonstrar de todas as formas
O quanto ele te adora e te quer bem

Você saberá que é amada
Quando mesmo que você sequer o esteja notando
Ele não pare de te rodear
Ansioso por te encher de mimos e carinhos

Você saberá que é amada, enfim,
Quando ele ligar para você quando você menos esperar
Nem que seja apenas para ouvir tua voz
E te desejar um lindo dia
E continue sempre a cantar
e a declarar os sentimentos dele por você
Mesmo que ele não ouça de você
Uma única palavra
E continue mostrando-se completamente apaixonado
Mesmo que ele saiba
que qualquer coisa que ele faça
Será totalmente em vão...


Augusto Branco

Veja só!

Veja só!
Que tolice nós dois
Brigarmos tanto assim
Se depois, vamos nós a sorrir
Ficar de bem no fim

Para que maltratar o amor?
O amor não se maltrata, não
Para quê?
Se essa gente o que quer
É ver nossa separação
Brigo eu
Você briga também
Por coisas tão banais
E o amor
Em momentos assim
Morre um pouquinho mais
E, ao morrer, então é que se vê
Que quem morreu
Foi eu e foi você
Pois sem amor
Estamos sós
Morremos nós


Altemar Dutra

quarta-feira, 17 de julho de 2013

Amor como em casa

Regresso devagar ao teu sorriso como quem volta a casa.
Faço de conta que não é nada comigo.
Distraído percorro o caminho familiar da saudade,
pequeninas coisas me prendem,
uma tarde num café, um livro.
Devagar te amo e às vezes depressa,
meu amor, e às vezes faço coisas que não devo,
regresso devagar a tua casa,
compro um livro, entro no amor como em casa.


MANUEL ANTÓNIO PINA, in AINDA NÃO É O FIM NEM O PRINCÍPIO DO MUNDO. CALMA, É APENAS UM POUCO TARDE (A Regra do Jogo Ed., 1974)

Disseste

Disseste em tons de ave que esvoaça
a tua maior ferida, o teu anelo
de esconderes dos olhos de quem passa
o que a ti mesmo queiras esconder.

Disseste em tanto excesso, altas ramadas,
a faustosa vertente que se abria
em leque ou turbilhão, em vagas agitadas
de clamor ou vulcão de que ninguém sabia

a força e a origem – e o próprio sentido.
Disseste até correr o vento todo,
até morrer um sol que tão sumido

se tornara deserto ou lassidão de lodo.
Disseste a desrazão de um desacordo
com tracejado a negro a ser comprido.


JOÃO RUI DE SOUSA, in QUARTETO PARA AS PRÓXIMAS CHUVAS (Pub. D. Quixote, 2008)

Toma o Comprimido

http://youtu.be/dqzeVu2dc4g
Hey, Cara

Você parece doente
Ou anda com a saúde ausente
Decerto tem a testa quente
O mal será desse dente
Se não passa com aguardente
Vá à caixa e diga que é urgente
Lá há remédio pra toda a gente

Você foi imprevidente
Ou é muito impaciente
Faça cara de contente
Você vai ficar igual
Toma já um melhoral
Porque é bom e não faz mal
Além disso é legal
Toma já um melhoral
É o melhor e é legal

Toma um comprimido
Toma um comprimido
Toma um comprimido que isso passa
Toma um comprimido
Toma um comprimido
Toma um comprimido que isso passa
Eu sei que é nocivo
A isto e áquilo
Esquece isso pelo bem que faça
Eu sei que é nocivo
A isto e áquilo
Esquece isso pelo bem que faça

Você está muito pesada
Não diga que está inchada
Não há roupa que lhe sirva
Não há cinta que lhe valha
Já perdeu de todo a linha
Está a tempo de voltar a fina
É um milagre da medicina
Que é o avanço da aspirina

Tome e fique confiante
Vai ficar muito elegante
Isto é melhor que um purgante
Você vai emagrecer
Cuidado, não abusar
Mas se isso acontecer
Tome outro pra engordar
Cuidado não abusar
Não pare de controlar

Toma um comprimido
Toma um comprimido
Toma um comprimido que isso passa
Toma um comprimido
Toma um comprimido
Toma um comprimido que isso passa
Eu sei que é nocivo
A isto e áquilo
Esquece isso pelo bem que faça
Eu sei que é nocivo
A isto e áquilo
Esquece isso pelo bem que faça

Tu estás tão acorrentado
À sombra que tens ao lado
Não consegues apagar
As marcas desse passado
Que teimas em recusar
Mas a mistura da drogaria
E tens a cura para mais um dia

Descola a raiz do fundo
Ficas acima de tudo
Não sentes nada do mundo
Do mundo que te não quer
Cuidado, não abusar
Mas se isso acontecer
És mais um a flipar
Mas se tu queres acabar
Ó que tu queres é drunfar

Toma um comprimido
Toma um comprimido
Toma um comprimido que isso passa
Toma um comprimido
Toma um comprimido
Toma um comprimido que isso passa
Eu sei que é nocivo
A isto e áquilo
Esquece isso pelo bem que faça
Eu sei que é nocivo
A isto e áquilo
Esquece isso pelo bem que faça

Toma um comprimido
Toma um comprimido
Toma um comprimido que isso passa
Toma um comprimido
Toma um comprimido
Toma um comprimido que isso passa
Eu sei que é nocivo
A isto e áquilo
Esquece isso pelo bem que faça
Eu sei que é nocivo
A isto e áquilo
Esquece isso pelo bem que faça

Insiste

Toma um comprimido
Toma um comprimido
Toma um comprimido que isso passa
Toma um comprimido
Toma um comprimido
Toma um comprimido que isso passa


António Variações

O mundo nas tuas mãos

16.06.13 - 1

Santo e senha

Deixem passar quem vai na sua estrada
Deixem passar
Quem vai cheio de noite e de luar.
Deixem passar e não lhe digam nada.

Deixem, que vai apenas
Beber água de Sonho a qualquer fonte;
Ou colher açucenas
A um jardim que ele lá sabe, ali defronte.

Vem da terra de todos, onde mora
E onde volta depois de amanhecer
Deixem-no pois passar, agora

Que vai cheio de noite e solidão.
Que vai
Uma estrela no chão.


MIGUEL TORGA, in DIÁRIO I (Ed. do Autor, Coimbra, 1943)

segunda-feira, 15 de julho de 2013

É fácil trocar as palavras

É fácil trocar as palavras,
Difícil é interpretar os silêncios!
É fácil caminhar lado a lado,
Difícil é saber como se encontrar!
É fácil beijar o rosto,
Difícil é chegar ao coração!
É fácil apertar as mãos,
Difícil é reter o calor!
É fácil sentir o amor,
Difícil é conter sua torrente!

Como é por dentro outra pessoa?
Quem é que o saberá sonhar?
A alma de outrem é outro universo
Com que não há comunicação possível,
Com que não há verdadeiro entendimento.

Nada sabemos da alma
Senão da nossa;
As dos outros são olhares,
São gestos, são palavras,
Com a suposição
De qualquer semelhança no fundo.

Fernando Pessoa

sábado, 13 de julho de 2013

Apelo

Preciso de ti,
chamo-te e não ouves,
ou são os teus ouvidos minerais
como búzios?
Ou perdi eu a voz
com os ventos
em cada onda da tempestade?
Sinto-te como quem apalpa o ar
ou alcança uma nuvem líquida.
Como palmilhar as estrelas
ou querer, sendo cego,
misturar todas as cores do poente?
Sei que estás aí
e és a outra metade do meu corpo.

Não quero ser violentada por palavras agrestes.
Dói-me a ausência
dessa outra parte de mim.

 

LÍLIA TAVARES, in PARTO COM OS VENTOS (Kreamus., 2013)

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Tarde demais?

Um dia vou descobrir-te
Perder-me no teu horizonte
Brilhar no teu sol
Poisar no teu ombro.
Ficar ao teu lado para sempre.

Peguei num pincel e:
Surgiu-me o mar;
Surgiu-me a lua;
Surgiu-me o sol.
Porquê a lágrima com tanta claridade?

Olhei para o passado e perguntei:
‘onde estás?’
Ele não me respondeu…
Queres dizer-me tu?

Encontrei-te na música
Encontrei-te nas memórias
Encontrei-te no meu coração.

Perdi-me no passado
Perdi-me na dor
Perdi-me na oração
Perdi-me em ti.

O vento sopra
Afasto a ausência
Abro os braços
Aguardo a presença
Sei que não partiste.

Nunca é tarde demais

!,.ClaraCamargo

Soy mujer

Soy mujer. Solo una mujer y la oscuridad me hiere. Y es honda esta vida de la que estoy prisionera.
Soy mujer. Solo una mujer Y puedo decir que esto que siento es como arrastrar un gemido o una tristeza de granito.
Porque solo soy mujer... o un latido
Soy mujer. Escuchas mi grito?

Casi nada.....O quizás todo.

Y ahora, en este momento de mi vida, no quiero casi nada. Tan solo la ternura de mi familia y la agradable compañía de mis amigos. Unas cuantas carcajadas y unas palabras de cariño. El recuerdo dulce de mi infancia. Un par de árboles al otro lado de los cristales y un pedazo de cielo al que se asome la luz y la noche. El mejor verso del mundo y la más hermosa de las músicas. También quiero, eso sí, mantener la libertad y el espíritu crítico por los que pago con gusto todo el precio que haya que pagar. Quiero toda la serenidad para sobrellevar el dolor y toda la alegría para disfrutar de lo bueno. Un instante de belleza a diario. Echar desesperadamente de menos a los que han tenido que irse porque tuve la suerte de haberlos tenido a mi lado. No estar jamás de vuelta de nada. Seguir llorando cada vez que algo merece mis lagrimas, pero no quejarme de ninguna tontería. No convertirme nunca, nunca, en una mujer amargada, pase lo que pase. Y que el día en que me toque esfumarme, un puñadito de personas piensen que ha valido la pena que yo anduviera un rato por aquí. Sólo quiero eso. Casi nada.....O quizás todo.

Xelo

En la profundidad de la metáfora

No me busques entre la multitud, estoy con el silencio, en la playa de las promesas, con el faro que guía las barcas hasta buen puerto.
Estoy con las palabras y un libro en las manos.
No me busques,...Estoy con los pájaros y los árboles que siempre son sinceros y fieles, con la luna que siempre tiene un plato en la mesa... en la profundidad de la metáfora

1000 artigos colocados... e continua a correr

tumblr_mjobb2Om4M1qbrjfso1_500

Obrigado a todos que têm seguido o meu blogue

Eu falo das casas e dos homens

Eu falo das casas e dos homens,
dos vivos e dos mortos:
do que passa e não volta nunca mais...
Não me venham dizer que estava materialmente previsto,
ah, não me venham com teorias!
Eu vejo a desolação e a fome,
as angústias sem nome,
os pavores marcados para sempre nas faces trágicas
das vítimas.

E sei que vejo, sei que imagino apenas uma ínfima,
uma insignificante parcela da tragédia.
Eu, se visse, não acreditava.
Se visse, dava em louco ou profeta,
dava em chefe de bandidos, em salteador de estrada,
- mas não acreditava!

Olho os homens, as casas e os bichos.
Olho num pasmo sem limites,
e fico sem palavras,
na dor de serem homens que fizeram tudo isto:
esta pasta ensanguentada a que reduziram a terra inteira,
esta lama de sangue e alma,
de coisa a ser,
e pergunto numa angústia se ainda haverá alguma esperança,
se o ódio sequer servirá para alguma coisa...

Deixai-me chorar - e chorai!
As lágrimas lavarão ao menos a vergonha de estarmos vivos,
de termos sancionado com o nosso silêncio o crime feito instituição
e enquanto chorarmos talvez julguemos nosso o drama,
por momentos será nosso um pouco do sofrimento alheio,
por um segundo seremos os mortos e os torturados,
os aleijados para toda a vida, os loucos e os encarcerados,
seremos a terra podre de tanto cadáver,
seremos o sangue das árvores,
o ventre doloroso das casas saqueadas,
- sim, por um momento seremos a dor de tudo isto...

Eu não sei porque me caem as lágrimas,
porque tremo e que arrepio corre dentro de mim,
eu que não tenho parentes nem amigos na guerra,
eu que sou estrangeiro diante de tudo isto,
eu que estou na minha casa sossegada,
eu que não tenho guerra à porta,
- eu porque tremo e soluço?
Quem chora em mim, dizei - quem chora em nós?

Tudo aqui vai como um rio farto de conhecer os seus meandros:
as ruas são ruas com gente e automóveis,
não há sereias a gritar pavores irreprimíveis,
e a miséria é a mesma miséria que já havia...
E se tudo é igual aos dias antigos,
apesar da Europa à nossa volta, exangue e mártir,
eu pergunto se não estaremos a sonhar que somos gente,
sem irmãos nem consciência, aqui enterrados vivos,
sem nada senão lágrimas que vêm tarde, e uma noite à volta,
uma noite em que nunca chega o alvor da madrugada...


Adolfo Casais Monteiro

Poema do silêncio

Sim, foi por mim que gritei.
Declamei,
Atirei frases em volta.
Cego de angústia e de revolta.

Foi em meu nome que fiz,
A carvão, a sangue, a giz,
Sátiras e epigramas nas paredes
Que não vi serem necessárias e vós vedes.

Foi quando compreendi
Que nada me dariam do infinito que pedi,
-Que ergui mais alto o meu grito
E pedi mais infinito!

Eu, o meu eu rico de baixas e grandezas,
Eis a razão das épi trági-cómicas empresas
Que, sem rumo,
Levantei com sarcasmo, sonho, fumo...

O que buscava
Era, como qualquer, ter o que desejava.
Febres de Mais. ânsias de Altura e Abismo,
Tinham raízes banalíssimas de egoísmo.

Que só por me ser vedado
Sair deste meu ser formal e condenado,
Erigi contra os céus o meu imenso Engano
De tentar o ultra-humano, eu que sou tão humano!

Senhor meu Deus em que não creio!
Nu a teus pés, abro o meu seio
Procurei fugir de mim,
Mas sei que sou meu exclusivo fim.

Sofro, assim, pelo que sou,
Sofro por este chão que aos pés se me pegou,
Sofro por não poder fugir.
Sofro por ter prazer em me acusar e me exibir!

Senhor meu Deus em que não creio, porque és minha criação!
(Deus, para mim, sou eu chegado à perfeição...)
Senhor dá-me o poder de estar calado,
Quieto, maniatado, iluminado.

Se os gestos e as palavras que sonhei,
Nunca os usei nem usarei,
Se nada do que levo a efeito vale,
Que eu me não mova! que eu não fale!

Ah! também sei que, trabalhando só por mim,
Era por um de nós. E assim,
Neste meu vão assalto a nem sei que felicidade,
Lutava um homem pela humanidade.

Mas o meu sonho megalómano é maior
Do que a própria imensa dor
De compreender como é egoísta
A minha máxima conquista...

Senhor! que nunca mais meus versos ávidos e impuros
Me rasguem! e meus lábios cerrarão como dois muros,
E o meu Silêncio, como incenso, atingir-te-á,
E sobre mim de novo descerá...

Sim, descerá da tua mão compadecida,
Meu Deus em que não creio! e porá fim à minha vida.
E uma terra sem flor e uma pedra sem nome
Saciarão a minha fome.

José Regio

Poema quinquagésimo

Tanto é o amor de que a boca me alimenta
que eu amo as sílabas inchadas de ternura,
rebentos sanguíneos de uma fala breve e inquiridora
que quer saber de tudo, o poema, o livro, a noite e até
do fogo dentro das crianças, dos archotes que me guiam
pelas grutas do pensamento e pelas dunas claras
do teu corpo em repouso.
Nelas as minhas mãos aguardam o amanhecer
quando é mais doloroso chamar-te mulher ou mãe
ou fêmea. Ou roseira.
Na minha insónia a noite não é mais do que terra
sedenta e suplicante. A que, de bruços me pede amor
e me oferece amor, de rosto magoado pela paixão antiga
de uma vida cintilante mas cruel. Amo-te, amo-me
até aos ossos. E por este ofício de cantar-te eu daria
a minha vida, para encher, embriagado, a tua vida
de versos, de uma luz feliz.
Imagino-te tremendo nos antigos caminhos
enquanto a minha idade mergulha no mais fundo
das coisas que um dia me dirás.
Hoje, nada existe sem ti, sem a lucidez do dia,
tudo és tu, tudo é esta vontade de pertencer-te assim
como quem se entrega e se consome nesse fogo árduo
que os meus dedos acendem e a tua carne alimenta
quando a dor são palavras, nada mais que palavras,
e as palavras se imolam devagar.
Com uma fome ruiva, roubas da minha boca
os pães ainda quentes para dar aos versos
e a água prenhe e límpida para dar aos beijos.


JOAQUIM PESSOA, in GUARDAR O FOGO ( Edições Esgotadas, 2013)

quarta-feira, 10 de julho de 2013

Corre... corre cavalinho corre

cavalinho

Se penso mais que um momento

Se penso mais que um momento
Na vida que eis a passar,
Sou para o meu pensamento
Um cadáver a esperar.

Dentro em breve (poucos anos
É quanto vive quem vive),
Eu, anseios e enganos,
Eu, quanto tive ou não tive,

Deixarei de ser visível
Na terra onde dá o Sol,
E, ou desfeito e insensível,
Ou ébrio de outro arrebol,

Terei perdido, suponho,
O contacto quente e humano
Com a terra, com o sonho,
Com mês a mês e ano a ano.

Por mais que o Sol doire a face
Dos dias, o espaço mudo
Lambra-nos que isso é disfarce
E que é a noite que é tudo.


Fernando Pessoa

Passei toda a noite, sem dormir...

Passei toda a noite, sem dormir, vendo, sem espaço, a figura dela,
E vendo-a sempre de maneiras diferentes do que a encontro a ela.
Faço pensamentos com a recordação do que ela é quando me fala,
E em cada pensamento ela varia de acordo com a sua semelhança.
Amar é pensar.
E eu quase que me esqueço de sentir só de pensar nela.
Não sei bem o que quero, mesmo dela, e eu não penso senão nela.
Tenho uma grande distracção animada.
Quando desejo encontrá-la
Quase que prefiro não a encontrar,
Para não ter que a deixar depois.
Não sei bem o que quero, nem quero saber o que quero. Quero só Pensar nela.
Não peço nada a ninguém, nem a ela, senão pensar.


Alberto Caeiro

É proibido

"É proibido chorar sem aprender,
Levantar-se um dia sem saber o que fazer
Ter medo de suas lembranças.

É proibido não rir dos problemas
Não lutar pelo que se quer,
Abandonar tudo por medo,

Não transformar sonhos em realidade.
É proibido não demonstrar amor
Fazer com que alguém pague por tuas dúvidas e mau-humor.
É proibido deixar os amigos

Não tentar compreender o que viveram juntos
Chamá-los somente quando necessita deles.
É proibido não ser você mesmo diante das pessoas,
Fingir que elas não te importam,

Ser gentil só para que se lembrem de você,
Esquecer aqueles que gostam de você.
É proibido não fazer as coisas por si mesmo,
Não crer em Deus e fazer seu destino,

Ter medo da vida e de seus compromissos,
Não viver cada dia como se fosse um último suspiro.
É proibido sentir saudades de alguém sem se alegrar,

Esquecer seus olhos, seu sorriso, só porque seus caminhos se
desencontraram,
Esquecer seu passado e pagá-lo com seu presente.
É proibido não tentar compreender as pessoas,
Pensar que as vidas deles valem mais que a sua,

Não saber que cada um tem seu caminho e sua sorte.
É proibido não criar sua história,
Deixar de dar graças a Deus por sua vida,

Não ter um momento para quem necessita de você,
Não compreender que o que a vida te dá, também te tira.
É proibido não buscar a felicidade,

Não viver sua vida com uma atitude positiva,
Não pensar que podemos ser melhores,
Não sentir que sem você este mundo não seria igual."


Pablo Neruda

terça-feira, 9 de julho de 2013

Somnium

O Sonho não precisa de apresentação e talvez seja melhor assim. Sem ser apresentado, cada um pode imaginar-lo como queira e tornar-lo mais seu. Quem sabe se o sonho não é tímido, por outro lado. Nunca quer ser apresentado. Vive do medo de existir e de ser julgado onde exista. E Nós? Quantas vezes já o julgámos? Quantas vezes já lhe amputámos as asas para voar? Nem tenho conta...Imagem

segunda-feira, 8 de julho de 2013

A vida me ensinou...

“A vida me ensinou...
A dizer adeus às pessoas que amo,
Sem tira-las do meu coração;

Sorrir às pessoas que não gostam de mim,
Para mostra-las que sou diferente do que elas pensam;

Fazer de conta que tudo está bem quando isso não é verdade,
Para que eu possa acreditar que tudo vai mudar;

Calar-me para ouvir;
Aprender com meus erros.
Afinal eu posso ser sempre melhor.

A lutar contra as injustiças;
Sorrir quando o que mais desejo é gritar todas as minhas dores para o mundo,

A ser forte quando os que amo estão com problemas;
Ser carinhosa com todos que precisam do meu carinho;
Ouvir a todos que só precisam desabafar;

Amar aos que me machucam ou querem fazer de mim depósito de suas frustrações e desafetos;
Perdoar incondicionalmente,
Pois já precisei desse perdão;
Amar incondicionalmente,
Pois também preciso desse amor;

A alegrar a quem precisa;
A pedir perdão;
A sonhar acordado;
A acordar para a realidade (sempre que fosse necessário);
A aproveitar cada instante de felicidade;

A chorar de saudade sem vergonha de demonstrar;
Me ensinou a ter olhos para "ver e ouvir estrelas", embora nem sempre consiga entendê-las;
A ver o encanto do pôr-do-sol;

A sentir a dor do adeus e do que se acaba, sempre lutando para preservar tudo o que é importante para a felicidade do meu ser;

A abrir minhas janelas para o amor;
A não temer o futuro;

Me ensinou e esta me ensinando a aproveitar o presente, como um presente que da vida recebi, e usá-lo como um diamante que eu mesma tenha que lapidar, lhe dando forma da maneira que eu escolher.”

Charles Chaplin

Um jeito estupido de te amar - Maria Bethânia -

http://www.youtube.com/watch?v=QnvZFjJo_Q4

- A Mulher Perfeita -

"Conta-se que um mestre indiano chamado Nasrudin conversava com um amigo, que lhe fez a seguinte pergunta: E então, mestre, nunca pensaste em casamento?
Já pensei, respondeu Nasrudin. Em minha juventude, resolvi conhecer a mulher perfeita. Atravessei o deserto, cheguei a Damasco e conheci uma mulher espiritualizada e linda; mas ela não sabia nada das coisas do mundo.
Continuei a viagem e fui à cidade de Isfahan. Lá encontrei uma mulher que conhecia o reino da matéria e do espírito, mas não era bonita.
Então, resolvi ir até o Cairo, onde jantei na casa de uma moça bonita, religiosa e conhecedora da realidade material.
Intrigado, o amigo indagou:
E por que não casaste com ela?
Ah! Meu companheiro! suspirou Nasrudin. Infelizmente ela também procurava um homem perfeito.
O ensinamento do sábio indiano aplica-se perfeitamente aos dias de hoje.
É comum ouvirmos as exigências das pessoas, no que diz respeito à amizade, ao namoro e casamento.
Os jovens e as jovens trazem em suas mentes sonhadoras a idealização de como deverá ser aquele, ou aquela, que conquistará seu coração.
Ingenuamente, procuramos a perfeição no outro, já que não podemos encontrá-la em nós mesmos.
Não há mal, de forma alguma, em ser exigente na escolha de nossas amizades ou de um futuro esposo ou esposa. Isto é saudável, desde que não cheguemos ao exagero, é claro.
O problema está em sempre querer que o outro seja especial, que tenha diversas virtudes, esquecendo de que ele, ou ela, também tem suas exigências, suas idealizações.
Assim, poderíamos questionar: Será que eu tenho estas características, estas virtudes que procuro no outro? Será que ele não tem uma lista de exigências como a minha? Eu preencho os meus próprios requisitos?
Exemplificando: você sonha com alguém que seja companheiro, que seja sincero, e em quem possa confiar. Agora, você já parou para analisar se você está disposto a ser assim para com o outro? Se a virtude da sinceridade está em seu coração, ou se você é digno de inspirar confiança?
Vejamos como a racionalidade nos ajuda a entender melhor as coisas da vida. Ela nos ensina a perceber que antes de exigir qualquer virtude dos outros, é preciso verificar se nós a temos.
Assim, é importante o esforço para se melhorar, para agradar os outros, buscando a perfeição em nós primeiramente.
Ainda estamos longe da sublimidade, é certo, mas é preciso caminhar rumo a ela todos os dias."

Redação do Momento Espírita

domingo, 7 de julho de 2013

Tu sei ♥ Eros Ramazzotti ( tradução)

http://www.youtube.com/watch?v=UndTYFZZR74

Brincas todos os dias com a luz

Brincas todos os dias com a luz do Universo.
Subtil visitadora, chegas na flor e na água.
És mais do que a pequena cabeça branca que aperto
Como um cacho entre as mãos todos os dias.

Com ninguém te pareces desde que eu te amo.
Deixa-me estender-te entre grinaldas amarelas.
Quem escreve o teu nome com letras de fumo entre as estrelas do sul?
Ah, deixa-me lembrar como eras então, quando ainda não existias.

Subitamente o vento uiva e bate à minha janela fechada.
O céu é uma rede coalhada de peixes sombrios.
Aqui vêm soprar todos os ventos, todos.
Aqui despe-se a chuva.

Passam fugindo os pássaros.
O vento. O vento.
Eu só posso lutar contra a força dos homens.
O temporal amontoa folhas escuras
E solta todos os barcos que esta noite amarraram ao céu.

Tu estás aqui. Ah tu não foges.
Tu responder-me-às até ao último grito.
Enrola-te a meu lado como se tivesses medo.
Porém mais que uma vez correu uma sombra estranha pelos teus olhos.

Agora, agora também pequena, trazes-me madressilva,
E tens até os seios perfumados.
Enquanto o vento triste galopa matando borboletas
Eu amo-te, e a minha alegria morde a tua boca de ameixa.

O que te haverá doído acostumares-te a mim,
à minha alma selvagem e só, ao meu nome que todos escorraçam.
Vimos arder tantas vezes a estrela-d’alva beijando-nos os olhos
E sobre as nossas cabeças destorcem-se os crepúsculos em leques rodopiantes.

As minhas palavras choveram sobre ti acariciando-te.
Amei desde há que tempo o teu corpo de nácar moreno.
Creio-te mesmo dona do Universo.
Vou trazer-te das montanhas flores alegres, "copihues",
Avelãs escuras, e cestos silvestres de beijos.

Quero fazer contigo
O que a primavera faz com as cerejeiras.


PABLO NERUDA, in VINTE POEMAS DE AMOR E UMA CANÇÃO DESESPERADA, trad. de Fernando Assis Pacheco (Publ. D. Quixote, 1ª ed. 1971, 15ª ed. 2007)

Súplica

Agora que o silêncio é um mar sem ondas,
E que nele posso navegar sem rumo,
Não respondas
Às urgentes perguntas
Que te fiz.
Deixa-me ser feliz
Assim,
Já tão longe de ti como de mim.

Perde-se a vida a desejá-la tanto.
Só soubemos sofrer, enquanto
O nosso amor
Durou.
Mas o tempo passou,
Há calmaria...
Não perturbes a paz que me foi dada.
Ouvir de novo a tua voz seria
Matar a sede com água salgada.


Miguel Torga

Ser feliz

Ser feliz não é ter um céu sem tempestades, caminhos sem acidentes, trabalhos sem fadigas, relacionamentos sem decepções.
Ser feliz é encontrar força no perdão, esperança nas batalhas, segurança no palco do medo, amor nos desencontros.
Ser feliz não é apenas comemorar o sucesso, mas aprender lições nos fracassos.
Ser feliz não é apenas ter júbilo nos aplausos, mas encontrar alegria no anonimato.
Ser feliz é reconhecer que vale a pena viver a vida, apesar de todos os desafios, incompreensões e períodos de crise.
Ser feliz não é uma fatalidade do destino, mas uma conquista de quem sabe viajar para dentro do seu próprio ser.
Ser feliz é deixar de ser vítima dos problemas e se tornar um autor da própria história.
É atravessar desertos fora de si e ser capaz de encontrar um oásis no recôndito da sua alma.
É agradecer a Deus a cada manhã pelo milagre da vida.
Ser feliz, é não ter medo dos próprios sentimentos.
É saber falar de si mesmo.
É ter coragem para ouvir um “não”.
É ter segurança para receber uma crítica, mesmo que injusta.
É beijar os filhos, curtir os pais!
É ter momentos poéticos com os amigos, mesmo que eles nos magoem.
Ser feliz é deixar viver a criança livre, alegre e simples que mora dentro de cada um de nós.
É ter maturidade para falar: “Eu errei”.
É ter ousadia para dizer: “Me perdoe!”
É ter sensibilidade para expressar: “Eu preciso de você”.
É ter capacidade de dizer “Eu te amo”.
E, quando você errar o caminho, recomece tudo de novo. Pois assim você será cada vez mais apaixonado pela vida. E descobrirá que...
Ser feliz não é ter uma vida perfeita.
Mas usar as lágrimas para irrigar a tolerância.
Usar as perdas para refinar a paciência.
Usar as falhas para esculpir a serenidade.
Usar a dor para lapidar o prazer.
Usar os obstáculos para abrir as janelas da inteligência.


Augusto Cury

sábado, 6 de julho de 2013

Metade

http://youtu.be/yWu2iAaAJUc

Que a força do medo que tenho
Não me impeça de ver o que anseio

Que a morte de tudo em que acredito
Não me tape os ouvidos e a boca
Porque metade de mim é o que eu grito
Mas a outra metade é silêncio.

Que a música que ouço ao longe
Seja linda ainda que tristeza
Que a mulher que eu amo seja pra sempre amada
Mesmo que distante
Porque metade de mim é partida
Mas a outra metade é saudade.

Que as palavras que eu falo
Não sejam ouvidas como prece e nem repetidas com fervor
Apenas respeitadas
Como a única coisa que resta a um homem inundado de sentimentos
Porque metade de mim é o que ouço
Mas a outra metade é o que calo.

Que essa minha vontade de ir embora
Se transforme na calma e na paz que eu mereço
Que essa tensão que me corrói por dentro
Seja um dia recompensada
Porque metade de mim é o que eu penso mas a outra metade é um vulcão.

Que o medo da solidão se afaste, e que o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável.

Que o espelho reflita em meu rosto um doce sorriso
Que eu me lembro ter dado na infância
Por que metade de mim é a lembrança do que fui
A outra metade eu não sei.

Que não seja preciso mais do que uma simples alegria
Pra me fazer aquietar o espírito
E que o teu silêncio me fale cada vez mais
Porque metade de mim é abrigo
Mas a outra metade é cansaço.

Que a arte nos aponte uma resposta
Mesmo que ela não saiba
E que ninguém a tente complicar
Porque é preciso simplicidade pra fazê-la florescer
Porque metade de mim é platéia
E a outra metade é canção.

E que a minha loucura seja perdoada
Porque metade de mim é amor
E a outra metade também.

Oswaldo Montenegro

No leito

Sereno na face a lágrima
que teima em cair solta
desprendida deste mar profundo
que são em escuro
meus olhos...
mar que se agita
revolve em sentido espelho
sentimento

Ninguém me espera
a não ser eu em mim e em ti
na página que em branco
desbravo
quero sentir-te
em cada linha traçada
ver-te-me em cada palavra
desenhada

Abro a janela
recebo na brisa da noite
o arrepio que o teu eu
me provoca...

Como posso serenar-me
serenando-te
se é tão doce em mim
o desconcerto
de ver-te no leito
do meu pensamento...


ANA FONSECA, in NO LEITO DO MEU PENSAMENTO (Universus, 2011)

Conto de fadas

Eu trago-te nas mãos o esquecimento
Das horas más que tens vivido, Amor!
E para as tuas chagas o unguento
Com que sarei a minha própria dor.

Os meus gestos são ondas de Sorrento...
Trago no nome as letras duma flor...
Foi dos meus olhos garços que um pintor
Tirou a luz para pintar o vento...

Dou-te o que tenho: o astro que dormita,
O manto dos crepúsculos da tarde,
O sol que é de oiro, a onda que palpita.

Dou-te, comigo, o mundo que Deus fez!
- Eu sou Aquela de quem tens saudade,
A princesa do conto: «Era uma vez...»




FLORBELA ESPANCA, in CHARNECA EM FLOR (Liv. Gonçalves, Coimbra, 1ª ed., 1931)

sexta-feira, 5 de julho de 2013

Saber Amar

http://youtu.be/MdTreZH0f8M

A crueldade de que se é capaz
Deixar pra trás os corações partidos
Contra as armas do ciúme tão mortais
A submissão às vezes é um abrigo

Saber amar
É saber deixar alguém te amar

Há quem não veja a onda onde ela está
E nada contra o rio
Todas as formas de se controlar alguém
Só trazem um amor vazio

Saber amar
É saber deixar alguém te amar

O amor te escapa entre os dedos
E o tempo escorre pelas mãos
O sol já vai se pôr no mar


Paralamas do Sucesso

O amor é o amor

O amor é o amor - e depois?!
Vamos ficar os dois
a imaginar, a imaginar?

O meu peito contra o teu peito,
cortando o mar, cortando o ar.
Num leito
há todo o espaço para amar!

Na nossa carne estamos
sem destino, sem medo, sem pudor,
e trocamos - somos um? somos dois? -
espírito e calor!

O amor é o amor - e depois?


ALEXANDRE O'NEILL, in ABANDONO VIGIADO (1960), in POESIAS COMPLETAS 1951/1986 (INCM, 3ª ed. , 1995)

Se Puder Sem Medo

http://youtu.be/bH4nfozKQ3c

Deixa em cima desta mesa a foto que eu gostava
Pr'eu pensar que o teu sorriso envelheceu comigo
Deixa eu ter a tua mão mais uma vez na minha
Pra que eu fotografe assim meu verdadeiro abrigo
Deixa a luz do quarto acesa a porta entreaberta
O lençol amarrotado mesmo que vazio
Deixa a toalha na mesa e a comida pronta
Só na minha voz não mexa eu mesmo silencio
Deixa o coração falar o que eu calei um dia
Deixa a casa sem barulho achando que ainda é cedo
Deixa o nosso amor morrer sem graça e sem poesia
Deixa tudo como está e se puder, sem medo
Deixa tudo que lembrar eu finjo que esqueço
Deixa e quando não voltar eu finjo que não importa
Deixa eu ver se me recordo uma frase de efeito
Pra dizer te vendo ir fechando atrás da porta
Deixa o que não for urgente que eu ainda preciso
Deixa o meu olhar doente pousado na mesa
Deixa ali teu endereço qualquer coisa aviso
Deixa o que fingiu levar mas deixou de surpresa
Deixa eu chorar como nunca fui capaz contigo
Deixa eu enfrentar a insônia como gente grande
Deixa ao menos uma vez eu fingir que consigo
Se o adeus demora a dor no coração se expande
Deixa o disco na vitrola pr'eu pensar que é festa
Deixa a gaveta trancada pr'eu não ver tua ausência
Deixa a minha insanidade é tudo que me resta
Deixa eu por à prova toda minha resistência
Deixa eu confessar meu medo do claro e do escuro
Deixa eu contar que era farsa minha voz tranqüila
Deixa pendurada a calça de brim desbotado
Que como esse nosso amor ao menor vento oscila
Deixa eu sonhar que você não tem nenhuma pressa
Deixa um último recado na casa vizinha
Deixa de sofisma e vamos ao que interessa
Deixa a dor que eu lhe causei agora é toda minha
Deixa tudo que eu não disse mas você sabia
Deixa o que você calou e eu tanto precisava
Deixa o que era inexistente e eu pensei que havia
Deixa tudo o que eu pedia mas pensei que dava


OSWALDO MONTENEGRO

quinta-feira, 4 de julho de 2013

Soneto de todas as putas

Não lamentes, ó Nize, o teu estado;
Puta tem sido muita gente boa;
Putissimas fidalgas tem Lisboa,
Milhões de vezes putas teem reinado:

Dido foi puta, e puta d'um soldado;
Cleopatra por puta alcança a c'roa;
Tu, Lucrecia, com toda a tua proa,

O teu conno não passa por honrado:

Essa da Russia imperatriz famosa,
Que inda ha pouco morreu (diz a Gazeta)
Entre mil porras expirou vaidosa:

Todas no mundo dão a sua greta:
Não fiques pois, ó Nize, duvidosa
Que isso de virgo e honra é tudo peta.


Bocage

Amor

o teu rosto à minha espera, o teu rosto
a sorrir para os meus olhos, existe um
trovão de céu sobre a montanha.

as tuas mãos são finas e claras, vês-me
sorrir, brisas incendeiam o mundo,
respiro a luz sobre as folhas da olaia.

entro nos corredores de outubro para
encontrar um abraço nos teus olhos,
este dia será sempre hoje na memória.

hoje compreendo os rios. a idade das
rochas diz-me palavras profundas,
hoje tenho o teu rosto dentro de mim.

JOSÉ LUÍS PEIXOTO, in A CASA, A ESCURIDÃO ( Temas e Debates, 2002)