domingo, 25 de novembro de 2012

Blues da morte do amor

já ninguém morre de amor, eu uma vez
andei lá perto, estive mesmo quase,
era um tempo de humores bem sacudidos,
depressões sincopadas, bem graves, minha querida,
mas afinal não morri, como se vê, ah, não,
passava o tempo a ouvir deus e música de jazz,
emagreci bastante, mas safei-me à justa, oh yes,
ah, sim, pela noite dentro, minha querida.

a gente sopra e não atina, há um aperto
no coração, uma tensão no clarinete e
tão desgraçado o que senti, mas realmente,
mas realmente eu nunca tive jeito, ah, não,
eu nunca tive queda para kamikaze,
é tudo uma questão de swing, de swing, minha querida,
saber sair a tempo, saber sair, é claro, mas saber,
e eu não me arrependi, minha querida, ah, não, ah, sim.

há ritmos na rua que vêm de casa em casa,
ao acender das luzes, uma aqui, outra ali.
mas pode ser que o vendaval um qualquer dia venha
no lusco-fusco da canção parar à minha casa,
o que eu nunca pedi, ah, não, manda calar a gente,
minha querida, toda a gente do bairro,
e então murmurarei, a ver fugir a escala
do clarinete: — morrer ou não morrer, darling, ah, sim.

Vasco Graça Moura

domingo, 11 de novembro de 2012

Búzio

Hoje não trago nada que dizer.
Sossega o teu rosto no meu peito
Repousa em mim a tua tristeza
Ouve os segredos que te não digo
E a canção de forte esperança
Que germina e rompe devagarinho
Por todos os caminhos da vida.

Na pureza desta tarde,
Ao lusco fusco,
Abre comigo os olhos para os belos horizontes

Cada poente mistifica sempre
Una nova madrugada.

Repousa em mim a tua tristeza
Abre comigo os olhos para a vida.

Hoje a minha voz é de búzio
Fala baixo e em segredo
Numa canção que enche o mar, o mundo,
e germina e rompe devagarinho
Por sobre os escombros de luz
Deste poente que cai sobre o mar
Numa angústia de eternidade.

Tomás Jorge