sábado, 28 de setembro de 2013

Amar você é coisa de minutos

Amar você é coisa de minutos
A morte é menos que teu beijo
Tão bom ser teu que sou
Eu a teus pés derramado
Pouco resta do que fui
De ti depende ser bom ou ruim
Serei o que achares conveniente
Serei para ti mais que um cão
Uma sombra que te aquece
Um deus que não esquece
Um servo que não diz não
Morto teu pai serei teu irmão
Direi os versos que quiseres
Esquecerei todas as mulheres
Serei tanto e tudo e todos
Vais ter nojo de eu ser isso
E estarei a teu serviço
Enquanto durar meu corpo
Enquanto me correr nas veias
O rio vermelho que se inflama
Ao ver teu rosto feito tocha
Serei teu rei teu pão tua coisa tua rocha
Sim, eu estarei aqui


Paulo Leminski

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

No veludo dos teus olhos

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Sonhadora
De pensamentos ao largo
de olhos postos no vento
com o areal nos dedos
e o coração ao leme
deste momento

Sei-te em mim
No turbilhão
Que me aquece o sangue
Me acalma a mente
Me deixa exangue

E abandonada em mim
entrego-me-Te
Às palavras
Onde em cofre guardadas
Serão alma iluminada
Sentimentos

Só te peço...
Guarda-me-te
Deita fora a chave
Esquece os códigos
Que eu saberei lê-los
No veludo dos teus olhos...


ANA FONSECA, in NO LEITO DO MEU PENSAMENTO (Universus, 2011)

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Até sempre... Brito Ventura & Os Desalinhados

http://youtu.be/zend8TW4thc

Ali na terra fresca

Ali na terra fresca… onde quis apenas ser um caule
De uma flor… que escolhi… no mar jardim teu.

Nos tempos das luas infindáveis… contei nuvens
Olhei o tempo dentro do tempo… e orei pelo sol

Corri no fio horizonte… a junção do teu silêncio
Sorri na nascente do amanhã bonito despertar

E em cada rascunho de palavras sonhadas
Juntava uma pétala da minha assinatura, tua

Recantos de passos juntos no monumento fogo
Verdes de um imenso respirar onde brotam trevos

Sortes cromáticas no dar a mão… desejo sempre
Apelos resumos… ciclos e versículos de leituras

Nos tempos das luas infindáveis… contei nuvens
Olhei o tempo dentro do tempo… e orei pelo sol

Quis ler-te comentário do meu olhar sedento
E apenas descobri uma folha branca sorriso!


JOSÉ LUÍS OUTONO, in DA JANELA DO MEU (A)MAR (Ed. Vieira da Silva, 2011)

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Seria o amor português

Muitas vezes te esperei, perdi a conta,
longas manhãs te esperei tremendo
no patamar dos olhos. Que me importa
que batam à porta, façam chegar
jornais, ou cartas, de amizade um pouco
— tanto pó sobre os móveis tua ausência.

Se não és tu, que me pode importar?
Alguém bate, insiste através da madeira,
que me importa que batam à porta,
a solidão é uma espinha
insidiosamente alojada na garganta.
Um pássaro morto no jardim com neve.

Nada me importa; mas tu enfim me importas.
Importa, por exemplo, no sedoso
cabelo poisar estes lábios aflitos.
Por exemplo: destruir o silêncio.
Abrir certas eclusas, chover em certos campos.
Importa saber da importância
que há na simplicidade final do amor.
Comunicar esse amor. Fertilizá-lo.
«Que me importa que batam à porta...»
Sair de trás da própria porta, buscar
no amor a reconciliação com o mundo.

Longas manhãs te esperei, perdi a conta.
Ainda bem que esperei longas manhãs
e lhes perdi a conta, pois é como se
no dia em que eu abrir a porta
do teu amor tudo seja novo,
um homem uma mulher juntos pelas formosas
inexplicáveis circunstâncias da vida.

Que me importa, agora que me importas,
que batam, se não és tu, à porta?


FERNANDO ASSIS PACHECO, in A MUSA IRREGULAR (Ed. Asa, 1997)

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Porque é que a Gente Não se Dá - Miguel Gameiro -

http://youtu.be/NeDzGxfL5tQ

Para ti

Foi para ti
que desfolhei a chuva
para ti soltei o perfume da terra
toquei no nada
e para ti foi tudo

Para ti criei todas as palavras
e todas me faltaram
no minuto em que talhei
o sabor do sempre

Para ti dei voz
às minhas mãos
abri os gomos do tempo
assaltei o mundo
e pensei que tudo estava em nós
nesse doce engano
de tudo sermos donos
sem nada termos
simplesmente porque era de noite
e não dormíamos
eu descia em teu peito
para me procurar
e antes que a escuridão
nos cingisse a cintura
ficávamos nos olhos
vivendo de um só
amando de uma só vida


- Mia Couto, no livro "Raiz de Orvalho e Outros Poemas"

sábado, 14 de setembro de 2013

Teoria do amor

Amor é mais do que dizer.
Por amor no teu corpo fui além
e vi florir a rosa em todo o ser
fui anjo e bicho e todos e ninguém.

Como Bernard de Ventadour amei
uma princesa ausente em Tripoli
amada minha onde fui escravo e rei
e vi que o longe estava todo em ti.

Beatriz e Laura e todas e só tu
rainha e puta no teu corpo nu
o mar de Itália a Líbia o belvedere.

E quanto mais te perco mais te encontro
morrendo e renascendo e sempre pronto
para em ti me encontrar e me perder.


MANUEL ALEGRE, in OBRA POÉTICA (Pub. Dom Quixote, 1999)

domingo, 8 de setembro de 2013

Uma luz...

!ClaraCamargo..lume

Não adormeças

Não adormeças: o vento ainda assobia no meu quarto
e a luz é fraca e treme e eu tenho medo
das sombras que desfilam pelas paredes como fantasmas
da casa e de tudo aquilo com que sonhes.

Não adormeças já. Diz-me outra vez do rio que palpitava
no coração da aldeia onde nasceste, da roupa que vinha
a cheirar a sonho e a musgo e ao trevo que nunca foi
de quatro folhas; e das ervas húmidas e chãs
com que em casa se cozinham perfumes que ainda hoje
te mordem os gestos e as palavras.

O meu corpo gela à míngua dos teus dedos, o sol vai
demorar-se a regressar. Há tempo para uma história
que eu não saiba e eu juro que, se não adormeceres,
serei tão leve que não hei-de pesar-te nunca na memória,
como na minha pesará para sempre a pedra do teu sono
se agora apenas me olhares de longe e adormeceres.


MARIA DO ROSÁRIO PEDREIRA, in A CASA E O CHEIRO DOS LIVROS (Quetzal, 1996), in POESIA REUNIDA (Quetzal, 2012)

Não tenhas medo do amor

Não tenhas medo do amor. Pousa a tua mão
devagar sobre o peito da terra e sente respirar
no seu seio os nomes das coisas que ali estão a
crescer: o linho e genciana; as ervilhas-de-cheiro
e as campainhas azuis; a menta perfumada para
as infusões do verão e a teia de raízes de um
pequeno loureiro que se organiza como uma rede
de veias na confusão de um corpo. A vida nunca

foi só Inverno, nunca foi só bruma e desamparo.
Se bem que chova ainda, não te importes: pousa a
tua mão devagar sobre o teu peito e ouve o clamor
da tempestade que faz ruir os muros: explode no
teu coração um amor-perfeito, será doce o seu
pólen na corola de um beijo, não tenhas medo,
hão-de pedir-to quando chegar a primavera.


MARIA DO ROSÁRIO PEDREIRA, in NENHUM NOME DEPOIS (2004), in POESIA REUNIDA Quetzal, 2012)

Se terminar este poema, partirás

Se terminar este poema, partirás. Depois da
mordedura vá do meu silêncio e das pedras
que te atirei ao coração, a poesia é a última
coincidência que nos une. Enquanto escrevo

este poema, a mesma neblina que impede a
memória límpida dos sonhos e confunde os
navios ao retalharem um mar desconhecido

está dentro dos meus olhos — porque é difícil
olhar para ti neste preciso instante sabendo que
não estarias aqui se eu não escrevesse. E eu, que

continuo a amar-te em surdina com essa inércia
sóbria das montanhas, ofereço-te palavras, e não
beijos, porque o poema é o único refúgio onde
podemos repetir o lume dos antigos encontros.

Mas agora pedes-me que pare, que fique por aqui,
que apenas escreva até ao fim mais esta página
(que, como as outras, será somente tua — esse

beijo que já não desejas dos meus lábios). E eu, que
aprendi tudo sobre as despedidas porque a saudade
nos faz adultos para sempre, sei que te perderei

em qualquer caso: se terminar o poema, partirás;

e, no entanto, se o interromper, desvanecer-se-á
a última coincidência que nos une.



MARIA DO ROSÁRIO PEDREIRA, in O CANTO DOS VENTOS NOS CIPRESTES (Gótica, 2002), in POESIA REUNIDA (Quetzal, 2012)

sábado, 7 de setembro de 2013

Deita-te aqui

Deita-te aqui - esta noite, dentro de mim,
está tanto frio. Se fores capaz, cobre-me de
beijos: talvez assim eu possa esquecer para
sempre quem me matou de amor, ou morrer
de uma vez sem me lembrar. Isso, abraça-me

também: onde os teus dedos tocarem há uma
ferida que o tempo não consegue transportar.
Mas fecho os olhos, se tu não te importares, e
finjo que essa dor é uma mentira. Claro, o que

quiseres está bem - tudo, ou qualquer coisa,
ou mesmo nada serve, desde que o frio fique
no laço das tuas mãos e não regresse ao corpo
que te deixo agora sepultar. Não sentes frio, tu,

dentro de mim? Nunca nevou de madrugada no
teu quarto? Que país é o teu? Que idade tens?
Não, prefiro não saber como te chamas


MARIA DO ROSÁRIO PEDREIRA, in NENHUM NOME DEPOIS ( Gótica, 2ª. Ed., 2005), in in POESIA REUNIDA (Quetzal, 2012)

terça-feira, 3 de setembro de 2013

Ser Suspeito

http://youtu.be/SRFD5LtQuug

Não posso fingir,
Um gesto que faça, um olhar,
Vês logo se estou a mentir,
Já sabes que volta me dar.

Já sabes de mim
Mais do que devias saber;
Mas olha, ainda bem que é assim,
Para o caso de um dia eu me perder.

Foi sempre meio tremida
A linha da minha vida

Guarda as chaves do jardim,
Sou suspeito.
Guarda o que resta de mim
Junto ao peito

Afasta de mim,
Ou faz-me um sinal a tempo,
Há coisas que digo e que faço
E que depois me lamento.

Foi sempre meio tremida
A linha da minha vida.

Guarda as chaves do jardim,
Sou suspeito.
Guarda o que resta de mim
Junto ao peito

É como se fosse uma força estranha
Um canto frio de sereia
Chamando do fundo do mar.

Guarda as chaves do jardim,
Sou suspeito.
Guarda o que resta de mim
Junto ao peito


Paulo Gonzo

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

A vida quis assim

http://youtu.be/GigU0fXEo1Y

Me fale das andanças, ex amor
Dos melhores momentos que passou
Me fale que vou te falar dos meus
Eu tenho todo tempo pra ouvir
Os melhores momentos que eu vivi
São todos que passei ao lado teu.

Mas se você quiser não vou lembrar,
Pra não te constranger
Me ver chorar
A gente fala então do que virá
Eu tenho toda vida pela frente
E vou viver da forma mais urgente
Quem sabe um dia eu pare de te amar.

E mesmo que isso possa acontecer
Eu vou sentir saudade de você
Que culpa pode ter o coração
Que pena que a vida quis assim
Você viver feliz longe de mim
A dor rindo da minha solidão...

Se alguém vier pedir o meu conselho
A gente não aprende no espelho
A gente vive e sofre pra aprender
Cada amor é tanto e diferente
A vida insiste em dar esse presente
Comece o dia amando mais você!

E mesmo que isso possa acontecer e
Eu vou sentir saudade de você
Que culpa pode ter o coração
Que pena que a vida quis assim
Você viver feliz longe de mim
A dor rindo da minha solidão

OSWALDO MONTENEGRO

domingo, 1 de setembro de 2013

Dia 1 de Setembro 2013

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Te quero

Tuas mãos são minha carícia
Meus acordes cotidianos
Te quero porque tuas mãos
Trabalham pela justiça

Se te quero é porque tu és
Meu amor, meu cúmplice e tudo
E na rua lado a lado
Somos muito mais que dois

Teus olhos são meu conjuro
Contra a má jornada
Te quero por teu olhar
Que olha e semeia futuro

Tua boca que é tua e minha
Tua boca não se equivoca
Te quero porque tua boca
Sabe gritar rebeldia

Se te quero é porque tu és
Meu amor, meu cúmplice e tudo
E na rua lado a lado
Somos muito mais que dois

E por teu rosto sincero
E teu passo vagabundo
E teu pranto pelo mundo
Porque és povo te quero

E porque o amor não é auréola
Nem cândida moral
E porque somos casal
Que sabe que não está só

Te quero em meu paraíso
E dizer que em meu país
As pessoas vivem felizes
Embora não tenham permissão

Se te quero é porque tu és
Meu amor, meu cúmplice e tudo
E na rua lado a lado
Somos muito mais que dois.


MARIO BENEDETTI