quarta-feira, 28 de março de 2012

Diabo na Cruz - Dona Ligeirinha

http://youtu.be/cHY75iTborA

Eu sei, não te conheço mas existes

Eu sei, não te conheço mas existes.
por isso os deuses não existem,
a solidão não existe
e apenas me dói a tua ausência
como uma fogueira
ou um grito.

Não me perguntes como mas ainda me lembro
quando no outono cresceram no teu peito
duas alegres laranjas que eu apertei nas minhas mãos
e perfumaram depois a minha boca.

Eu sei, não digas, deixa-me inventar-te.
não é um sonho, juro, são apenas as minhas mãos
sobre a tua nudez
como uma sombra no deserto.
É apenas este rio que me percorre há muito
e desagua em ti,
porque tu és o mar que acolhe os meus destroços.
É apenas uma tristeza inadiável,
uma outra maneira de habitares
em todas as palavras do meu canto.

Tenho construído o teu nome com todas as coisas.
tenho feito amor de muitas maneiras,
docemente,
lentamente
desesperadamente
à tua procura, sempre à tua procura
até me dar conta que estás em mim,
que em mim devo procurar-te,
e tu apenas existes porque eu existo
e eu não estou só contigo
mas é contigo que eu quero ficar só
porque é a ti,
a ti que eu amo.


Joaquim Pessoa

Adeus

Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras
e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro!
Era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.

Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes!
E eu acreditava!
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
no tempo em que o teu corpo era um aquário,
no tempo em que os teus olhos
eram peixes verdes.
Hoje são apenas os teus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor...
já não se passa absolutamente nada.

E, no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.

Não temos nada que dar.
Dentro de ti
Não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.


Eugénio de Andrade

Paulo Gonzo - Sei-te De Cor

http://www.youtube.com/watch?v=NbqoM8cykBA&feature=related

Sei de cor, cada traço
Do teu rosto, do teu olhar
Cada sombra, da tua voz
E cada silêncio,
Cada gesto que tu faças, meu amor
Sei-te de cor

Sei que cada capricho teu
E o que não dizes ou preferes calar
Deixa-me adivinhar
Não digas que o louco sou eu
Se for tanto melhor, amor
Sei-te de cor

Sei por que becos te escondes
Sei ao promenor
O teu melhor e o pior
Sei de ti mais do queria
Numa palavra diria
Sei-te de cor

Na rua

Ninguém por certo adivinha
como essa Desconhecida,
entre estes braços prendida,
jurava ser toda minha...

Minha sempre! - E em voz baixinha:
- «Tua ainda além da vida!...»
Hoje fita-me, esquecida
do grande amor que me tinha.

Juramos ser imortal
esse amor estranho e louco...
E o grande amor, afinal,

(Com que desprezo me lembro!)
foi morrendo pouco a pouco,
- como uma tarde de Setembro...

Manuel Laranjeira

No meio de ti

No meio de ti, largo-me na tua sede
E enlevo a razão deste sorriso teu
Porque afago a essência de nós...

São páginas de segredos musicais
São olhares húmidos e fogosos do teu rosto
São devaneios cromáticos de surpresa...

E quedo-me no teu parágrafo luz
Lugar cativo orlado da flor nupcial
Fogo de querer e voo de êxtase...

No meio de ti, adiciono-te flor de mim
Alfazema odor de encanto guardado
Margem chamativa do meu navegar...

José Luís Outono

terça-feira, 27 de março de 2012

Mafalda Veiga - Cada Lugar Teu (ao vivo)

http://www.youtube.com/watch?v=ZHM5VJVtNd0

Sei de cor cada lugar teu
atado em mim, a cada lugar meu
tento entender o rumo que a vida nos faz tomar
tento esquecer a mágoa
guardar só o que é bom de guardar

Pensa em mim protege o que eu te dou
Eu penso em ti e dou-te o que de melhor eu sou
sem ter defesas que me façam falhar
nesse lugar mais dentro
onde só chega quem não tem medo de naufragar

Fica em mim que hoje o tempo dói
como se arrancassem tudo o que já foi
e até o que virá e até o que eu sonhei
diz-me que vais guardar e abraçar
tudo o que eu te dei

Mesmo que a vida mude os nossos sentidos
e o mundo nos leve pra longe de nós
e que um dia o tempo pareça perdido
e tudo se desfaça num gesto só

Eu Vou guardar cada lugar teu
ancorado em cada lugar meu
e hoje apenas isso me faz acreditar
que eu vou chegar contigo
onde só chega quem não tem medo de naufragar

Uma carta ao cair da tarde

Meu amor,
O oceano não precisa das tuas lágrimas para ficar mais salgado.
Nem os céus nem as estrelas ficarão mais luminosos
Do que o brilho dos teus olhos.
Mas a minha vida ficará mais deserta
Sem o aconchego dos teus braços
E o suspiro melancólico da tua voz em meus ouvidos.
Portanto, não se esqueça de que
O oceano sempre toca o céu no infinito das paixões,
Assim como eu infinitivamente enlaço o corpo da tua alma
Despudoradamente através do erotismo que brota ávido
No corpo das minhas palavras.


Carlos Eduardo leal

Em todas as ruas te encontro

Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco
conheço tão bem o teu corpo
sonhei tanto a tua figura
que é de olhos fechados que eu ando
a limitar a tua altura
e bebo a água e sorvo o ar
que te atravessou a cintura
tanto tão perto tão real
que o meu corpo se transfigura
e toca o seu próprio elemento
num corpo que já não é seu
num rio que desapareceu
onde um braço teu me procura

Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco.

Mário Cesariny

segunda-feira, 19 de março de 2012

Pablo Alboran - Perdóname (con Carminho)

http://www.youtube.com/watch?v=8EFMojiDY2k&ob=av2n

Alma perdida

Toda esta noite o rouxinol chorou,
Gemeu, rezou, gritou perdidamente!
Alma de rouxinol, alma de gente,
Tu és, talvez, alguém que se finou!

Tu és talvez, um sonho que passou,
Que se fundiu na Dor, suavemente...
Talvez sejas a alma, a alma doente
Dalguém que quis amar e nunca amou!

Toda a noite choraste... e eu chorei
Talvez porque, ao ouvir-te, adivinhei
Que ninguém é mais triste do que nós!

Contaste tanta coisa à noite calma,
Que eu pensei que tu eras a minh'alma
Que chorasse perdida em tua voz!

Florbela Espanca

sexta-feira, 16 de março de 2012

Dúvida

Anoiteceu.
Aqui sentado, pensava
Na minha vida;
Nesta tristeza arrastada
Que ninguém quer alegrar;
Nesta fogueira cercada
Duma invernia polar.

E a mim mesmo perguntava
Se dessa vida ficava
Pelo menos uma baba
Igual à do caracol.
Uma excreção que brilhasse
Quando nela reparasse
A luz do sol...


Miguel Torga

quinta-feira, 15 de março de 2012

Beijo os teus seios

Beijo os teus seios
e a tarde comove-se como se tocassem sinos.
Levanto a tua cabeça entre os meus dedos
e abro contra o dia os teus cabelos,
e logo as aves do silêncio levantam voo
e dançam loucas em volta dos teus olhos,
e a tua boca aperta-se,
morde
a minha boca
enquanto as minhas mãos vão procurando
nenhum deus à flor da tua pele
por esse caminho branco onde agonizam éguas
vestidas de primavera.

Joaquim Pessoa

James Blunt - You're Beautiful

http://www.youtube.com/watch?v=5oN7PrT6PHI&feature=related

quarta-feira, 14 de março de 2012

O pálido ponto azul - Carl Sagan

http://www.youtube.com/watch?v=vSiZ-6n-Lp8

Tu és a esperança, a madrugada

Tu és a esperança, a madrugada.
Nasceste nas tardes de setembro,
quando a luz é perfeita e mais dourada,
e há uma fonte crescendo no silêncio
da boca mais sombria e mais fechada.

Para ti criei palavras sem sentido,
inventei brumas, lagos densos,
e deixei no ar braços suspensos
ao encontro da luz que anda contigo.

Tu és a esperança onde deponho
meus versos que não podem ser mais nada.
Esperança minha, onde meus olhos bebem,
fundo, como quem bebe a madrugada.

Eugénio de Andrade

Damien Rice - The Blower's Daughter

http://www.youtube.com/watch?v=5YXVMCHG-Nk

sexta-feira, 9 de março de 2012

Em ti

Em ti o chão exausto de meu desejo. A flor aberta
dos sentidos. A calidez do lume. A água. O vinho.
O sangue a estuar em fúria. O grito do sol
que em transe de labareda fulge e irradia.
A extensão de tantos vales
e colinas. Fragrantes. Infinitas.
Os pomos saborosos, repartidos.
Os gomos. Os sumos ardorosos.
Os bosques impregnados de maresia.
A placidez molhada das ervas.
O luzir loiro das searas pelo vento devastadas.
O estio. O seu zénite. A sua vertigem.

Em ti a inclinação dos ramos. A translucidez do verde.
O derrame da seiva. O estremecer das raízes.
O musgo despontando. O aveludado dos troncos.
Os álamos. Os plátanos. E outras núbeis melodias.
O espreguiçar incandescente dos rios.
O êxtase das aves altas anunciando o fervor
de um beijo. De um afago. De uma carícia.
O hálito das corolas. As sépalas. Os estames.
O brilho e o odor silvestre da resina. A relva sedosa.
A primavera inebriada com sua própria brisa.

Em ti o menear da terra. As eiras. O feno flamante.
O irromper dos brotos. O despertar dos cálices.
A embriaguez do nardo. E da acácia, festiva.
O matiz das cores na várzea repercutido.
O som dos mananciais posto a descoberto.
O manar das fontes em euforia.
Os céus azuis a derramarem hinos.
O trinado agudo da andorinha.
O acenar obstinado dos choupos.
As centelhas rubras do crepúsculo.
O perfume juvenil das vinhas.

Em ti o delírio das ondas. Das espumas.
As fogueiras ateadas. Os aromas fulvos.
O sopro das chamas. O pão aceso. As espigas.
Os campos de lilases que se estendem
numa queimadura de aurora.
As pétalas humedecidas.
O incêndio azul do orvalho.
A alvura da açucena na manhã florida.

Em ti, amada, celebro a memória de todas as coisas vivas.

Gonçalo Salvado

quinta-feira, 1 de março de 2012

Rimar contigo...

Hoje apetece-me
Que rimes comigo...
Que cada olhar meu
Encontre no teu
Um desejo comum
De poesia sem palavras...

Que cada passo juntos
Na interminável jornada
Nos faça tropeçar
Sempre na mesma quadra
E no mesmo verso
Do entrelaçar das nossas mãos...

Que em cada beijo trocado
Haja um soneto inacabado
No prazer das estrofes
Ainda por inventar...
E também na prosa solta
E na métrica contida...

Do poema AMOR
Que fazemos vida..

Grácia Nunes