sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Quero

Quero que todos os dias do ano
todos os dias da vida
de meia em meia hora
de 5 em 5 minutos
me digas: Eu te amo.

Ouvindo-te dizer: Eu te amo,
creio, no momento, que sou amado.
No momento anterior
e no seguinte,
como sabê-lo?

Quero que me repitas até a exaustão
que me amas que me amas que me amas.
Do contrário evapora-se a amação
pois ao não dizer: Eu te amo,
desmentes
apagas
teu amor por mim.

Exijo de ti o perene comunicado.
Não exijo senão isto,
isto sempre, isto cada vez mais.
Quero ser amado por e em tua palavra
nem sei de outra maneira a não ser esta
de reconhecer o dom amoroso,
a perfeita maneira de saber-se amado:
amor na raiz da palavra
e na sua emissão,
amor
saltando da língua nacional,
amor
feito som
vibração espacial.
No momento em que não me dizes:
Eu te amo,
inexoravelmente sei
que deixaste de amar-me,
que nunca me amastes antes.

Se não me disseres urgente repetido
Eu te amoamoamoamoamo,
verdade fulminante que acabas de desentranhar,
eu me precipito no caos,
essa coleção de objetos de não-amor.


Carlos Drummond de Andrade

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Feliz dia para quem é

Feliz dia para quem é
O igual do dia,
E no exterior azul que vê
Simples confia!

Azul do céu faz pena a quem
Não pode ser
Na alma um azul do céu também
Com que viver

Ah, e se o verde com que estão
Os montes quedos
Pudesse haver no coração
E em seus segredos!

Mas vejo quem devia estar
Igual do dia
Insciente e sem querer passar.
Ah, a ironia

De só sentir a terra e o céu
Tão belo ser
Quem de si sente que perdeu
A alma p’ra os ter!


- Fernando Pessoa, in "Cancioneiro"

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Deitei-me na areia da praia que amo

Deitei-me na areia da praia que amo,
cobri-me com ondas que molham meu ser.
Até nós veio o Sol, que desceu por um ramo,
como candeeiro do amor que só por ti sei ter!
Moldei o meu corpo na doçura do teu,
com gemidos nascidos no prazer da entrega,
e o tempo passou, e o tempo correu
e tu mulher praia, de amor te vi cega!
Depois veio a lua, tranquila, serena,
acompanhar as ondas que os corpos faziam.
Entretanto o vento, numa brisa amena,
trazia-nos aos ouvidos o que os lábios diziam!
Com a manhã chegada, com os olhos cansados,
a espuma das ondas fugiu para ti.
Entrega sublime! Ficámos parados!...
Olhei-te nos olhos! Sorriste...e eu sorri!!!...

Virgílio Caseiro

O teu sorriso

E se o céu fosse só isto…?
As nuvens dos teus lábios
O infindável azul da tua boca…
e eu feito ave louca
a sobrevoar-te num beijo
a embebedar-te de desejo
a morar no teu sorriso…
Ai, se o céu fosse só isto
e nada mais fosse preciso!


JOÃO MORGADO, in RIO DE DOZE ÁGUAS, 12 POETAS (Coisas de Ler Ed., 2012)

domingo, 18 de agosto de 2013

Dance me to the end of love - Leonard Cohen

http://youtu.be/L0MVxa5U-pM

Praia-mar, baixa-mar

amo-te quando anoitece
e as estrelícias reluzem
uma última vez aos raios de sol
as gaivotas indecisam-se
entre terra, doca e algum convés preguiçoso de mangueira,
só.

amo-te enquanto a noite desce
ou vem ou entra
porque nunca saberemos ao certo
se é a noite que baixa até nós
ou se somos nós alçados pela lua
para permitir os trabalhos esmerados
da mais árdua poesia das matérias, da voz mais sábia e mais silenciosa,
só.

amo-te ao ritmo da maré vaza
sem ansiedades nem licitações ou metas
vogando entre o oceano e o areal
impunemente líquida e dançarina
sulcando cada músculo teu
com doces espumas doces línguas
saboreando a teus seixos lisos
teus pequenos rochedos enigmáticos
e a toda a pedra que faz de teu corpo
farol mastro homem,
só.

amo-te, maré a incitar o areal
em idas-e-vindas incansáveis
por sabermos da eternidade dos sabores
agri-doces, ora em flor, ora em grânulo, ora em pó, sabor de sal,
só.

amo-te, sempre de novo. só.



maria toscano ©
Comboio Regional Aveiro-Coimbra-B, 17 Agosto/2013.

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Inventário

De que sedas se fizeram os teus dedos,
De que marfim as tuas coxas lisas,
De que alturas chegou ao teu andar
A graça de camurça com que pisas.
-
De que amoras maduras se espremeu
O gosto acidulado do teu seio,
De que Índias o bambu da tua cinta,
O oiro dos teus olhos, donde veio.
-
A que balanço de onda vais buscar
A linha serpentina dos quadris,
Onde nasce a frescura dessa fonte
Que sai da tua boca quando ris.
-
De que bosques marinhos se soltou
A folha de coral das tuas portas,
Que perfume te anuncia quando vens
Cercar-me de desejo a horas mortas.


JOSÉ SARAMAGO, in OS POEMAS POSSÍVEIS ( Editorial Caminho, 6ª ed., 1997)

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Um Ser Amor - Paula Fernandes

http://youtu.be/8IDfbI8vmuI

Corpo ausente

Mistério, esse, o da vida...
Aquele que morre nos ponteiros do tempo
Das almas guardadas num oceano sem fundo
Porque os corpos já não comandam
Os dias que passam, inúteis...

Guardei no bolso o sonho
Porque nos olhos já não cabia!
Era grande demais, e os olhos são pequenos...
O bolso, é fundo e escuro
Acomoda a eternidade do que é utópico.

Tomo café, ainda assim, todas as manhãs
Com os raios de sol que cabem nas palmas das minhas mãos
E vêm plantar esperança na seiva que corre em mim.

E na sombra da minha silhueta
Planto o silêncio que o vento afaga
Trémulas, as minhas mãos? Não!
Fazem parte do meu corpo ausente
Que adormeceu, há muito, nos braços da terra.


CECÍLIA VILAS BOAS, in O ECO DO SILÊNCIO (Esfera do Caos, 2012)

O Grito do Mar ou Tempos de Raiva

Não há entardeceres que sejam só o desmaiar de cores e o último grito de fogo do Sol.
Não há esperanças despidas do sangue das almas de pouca força. Tudo se mistura.
Os anseios de uns provocam a queda de corpos vivos de outros.
As bandeiras içadas têm braços de mortos a erguê-las ainda.
E há os cegos. Os que passam por tudo isto sem o ver porque ainda lhes sobra uma centelha do conforto de Ter.
Não há sobretudo Silêncio.
Tudo grita.
O Mar grita por gente afoita que um dia conheceu e se afundou em espuma de memórias.
Gritam os esfomeados já sem voz com o som a sair-lhes dos olhos vidrados.
Grita o espírito dos heróis por lhes terem vendido as lutas fatais que um dia venceram. Para todos.
Não há Silêncio.
Mas há os silêncios vis. E esses são muitos. Silêncios que se alimentam da concordância dos cobardes . Da conivência dos que ainda acreditam ter algo a ganhar.
Não haverá vencedores na Guerra da Fome a menos que uns comam os outros no final. Mesmo assim não é uma vitória. Será a última saída.
Ergo o meu braço num aceno ao Futuro que nunca verei e em que pouco acredito.
Mas ergo-o como quem hasteia uma bandeira toda negra com letras brancas a dizer apenas – EXISTO .


Lisboa, 13-08-2013
Madalena Pestana

terça-feira, 13 de agosto de 2013

Só vou gostar de quem gosta de mim

http://youtu.be/6L-e7P9sCcE

De hoje em diante
Eu vou modificar
O meu modo de vida
Naquele instante
Em que você partiu
Destruiu nosso amor
Agora não vou mais chorar
Cansei de esperar
De esperar enfim
E prá começar
Eu só vou gostar
De quem gosta de mim...

Não quero com isso
Dizer que o amor
Não é bom sentimento
A vida é tão bela
Quando a gente ama
E tem um amor
Por isso é que eu vou mudar
Não quero ficar
Chorando até o fim
E prá não chorar
Eu só vou gostar
De quem gosta de mim...

Não vai ser fácil
Eu bem sei
Eu já procurei
Não encontrei meu bem
A vida é assim
Eu falo por mim
Pois eu vivo sem ninguém...

De hoje em diante
Eu vou modificar
O meu modo de vida
Naquele instante
Em que você partiu
Destruiu nosso amor
Agora não vou mais chorar
Cansei de esperar
De esperar enfim
E prá começar
Eu só vou gostar
De quem gosta de mim...


Caetano Veloso

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Infindável ...

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Amei-te e por te amar...

Amei-te e por te amar
Só a ti eu não via…
Eras o céu e o mar,
Eras a noite e o dia…
Só quando te perdi
É que eu te conheci…

Quando te tinha diante
Do meu olhar submerso
Não eras minha amante…
Eras o Universo…
Agora que te não tenho,
És só do teu tamanho.

Estavas-me longe na alma,
Por isso eu não te via…
Presença em mim tão calma,
Que eu a não sentia.
Só quando meu ser te perdeu
Vi que não eras eu.

Não sei o que eras. Creio
Que o meu modo de olhar,
Meu sentir meu anseio
Meu jeito de pensar…
Eras minha alma, fora
Do Lugar e da Hora…

Hoje eu busco-te e choro
Por te poder achar
Não sequer te memoro
Como te tive a amar…
Nem foste um sonho meu…
Porque te choro eu?

Não sei… Perdi-te, e és hoje
Real no […] real…
Como a hora que foge,
Foges e tudo é igual
A si-próprio e é tão triste
O que vejo que existe.

Em que és […] fictício,
Em que tempo parado
Foste o (…) cilício
Que quando em fé fechado
Não sentia e hoje sinto
Que acordo e não me minto…


Fernando Pessoa - Poesia Completa
Editora Nova Aguilar - 1992

domingo, 11 de agosto de 2013

Miedo a armar

Toda persona nace para amar y ser amada, porque el amor es parte de la vida. Amar implica una profunda entrega, una lucha y preocupación constante y profunda por los que se aman y, si es necesario, hasta morir por ellos. Sin embargo, muchas veces, y paradójicamente, mientras más se ama, más se sufre y se experimenta dolor. Muchas personas tienen un miedo obsesivo y espantoso a sufrir y prefieren sacrificar la experiencia más grande que puede darnos la vida que es sentir amor.

En vez de amar y sufrir, la persona cambia su corazón de carne por uno de piedra, para ser insensible e indiferente a los demás, al sufrimiento humano y a las necesidades del prójimo. Una persona así puede vivir una vida supuestamente "feliz" porque no sufre, pero tampoco ama. Si una persona no ama, no ha vivido; si no ha vivido, ha fracasado totalmente. Vivirá más o menos tranquila, pero cuando muera muy pocos la recordarán, porque no dejará una huella positiva en la vida de ninguna persona.

A veces parece que no existe amor sin dolor, sin sufrimiento y que éste es parte del precio que hay que pagar por amar, pero no es así, el Amor no tiene por qué estar asociado al dolor; intentad contribuir para generar más sentimientos de autenticidad y volveros poco a poco más transparente hacia los demás, de este modo erradicaréis por siempre esa componente de sufrimiento presente en algunos actos de amor.

Una de las cosas más hermosas que le puede suceder a un ser humano es vivir en el corazón de otros. Lo más triste es no ser nada para nadie; no tener resonancia en el corazón de alguien. Es triste vivir sin amar y morir sin haber amado.


Angel Luis Fernández

sábado, 10 de agosto de 2013

O último amor

Era o último amor. A casa fria,
os pés molhados no escuro chão.
Era o último amor e não sabia
esconder o rosto em tanta solidão.

Era o último amor. Quem adivinha
o sabor breve pela escuridão?
Quem oferece frutos nessa neve?
Quem rasga com ternura o que foi verão?

Era o último amor, o mais perfeito
fulgor do que viveu sem as palavras.
Era o último amor, perfil desfeito
entre lumes e vozes e passadas.

Era o último amor e não sabia
que os pés à terra nua oferecia


LUÍS FILIPE CASTRO MENDES in OS AMANTES OBSCUROS, incluído em POESIA REUNIDA, (Quetzal, 1999)

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Soneto do Amor Total

Amo-te tanto, meu amor ... não cante
O humano coração com mais verdade ...
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade.

Amo-te afim, de um calmo amor prestante
E te amo além, presente na saudade.
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.

Amo-te como um bicho, simplesmente
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.

E de te amar assim, muito e amiúde
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude.


Vinícius de Moraes

Jota Quest -- Só Hoje

http://youtu.be/2XOL0EckLcg

Como dizia o poeta

Como dizia o poeta
Quem já passou por essa vida e não viveu
Pode ser mais, mas sabe menos do que eu
Porque a vida só se dá pra quem se deu
Pra quem amou, pra quem chorou, pra quem sofreu
Ah, quem nunca curtiu uma paixão nunca vai ter nada, não
Não há mal pior do que a descrença
Mesmo o amor que não compensa é melhor que a solidão
Abre os teus braços, meu irmão, deixa cair
Pra que somar se a gente pode dividir
Eu francamente já não quero nem saber
De quem não vai porque tem medo de sofrer
Ai de quem não rasga o coração, esse não vai ter perdão
Quem nunca curtiu uma paixão, nunca vai ter nada, não.


Vinícius de Moraes

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Entrego-te as palavras

entrego-te as palavras mais brandas
que entre os meus dedos construí
para alimentar de ti os recantos da casa
invadindo o coração da noite

entrego-te as palavras com a redonda luz
das maçãs sobre a mesa e o rumor da água
rasgando o caminho da paixão
em horas que já não conseguimos sem ajuda recordar
mas que habital a mais frágil memória de nós próprios

palavras jorrando dos meus olhos
invadindo-te o sono e tropeçando
nas esquinas das frases que decoro
ao longo dos veios da tua pele

e a verdade é que nunca terei outra história
para além da que nos aconteceu
e que ficamos à espera de um dia perceber melhor

porque nunca ninguém se prepara convenientemente
para a chegada do amor
e ele é sempre um convidado estranho
sentado em silêncio na penumbra da sala
olhando os quadros o chão o tecto

como um velho parente da província
com medo de dizer o que não deve


ALICE VIEIRA, DOIS CORPOS TOMBANDO NA ÁGUA (Caminho, 2011)

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

ZZ Top - La Grange

http://youtu.be/Vppbdf-qtGU

Casa

Tentei fugir da mancha mais escura
que existe no teu corpo, e desisti.
Era pior que a morte o que antevi:
era a dor de ficar sem sepultura.

Bebi entre os teus flancos a loucura
de não poder viver longe de ti:
és a sombra da casa onde nasci,
és a noite que à noite me procura.

Só por dentro de ti há corredores
e em quartos interiores o cheiro a fruta
que veste de frescura a escuridão...

Só por dentro de ti rebentam flores.
Só por dentro de ti a noite escuta
o que me sai, sem voz, do coração.


DAVID MOURÃO-FERREIRA, in INFINITO PESSSOAL (1959-1962), in OBRA POÉTICA (1948-1988), (Presença, 1988)