domingo, 7 de julho de 2013

Brincas todos os dias com a luz

Brincas todos os dias com a luz do Universo.
Subtil visitadora, chegas na flor e na água.
És mais do que a pequena cabeça branca que aperto
Como um cacho entre as mãos todos os dias.

Com ninguém te pareces desde que eu te amo.
Deixa-me estender-te entre grinaldas amarelas.
Quem escreve o teu nome com letras de fumo entre as estrelas do sul?
Ah, deixa-me lembrar como eras então, quando ainda não existias.

Subitamente o vento uiva e bate à minha janela fechada.
O céu é uma rede coalhada de peixes sombrios.
Aqui vêm soprar todos os ventos, todos.
Aqui despe-se a chuva.

Passam fugindo os pássaros.
O vento. O vento.
Eu só posso lutar contra a força dos homens.
O temporal amontoa folhas escuras
E solta todos os barcos que esta noite amarraram ao céu.

Tu estás aqui. Ah tu não foges.
Tu responder-me-às até ao último grito.
Enrola-te a meu lado como se tivesses medo.
Porém mais que uma vez correu uma sombra estranha pelos teus olhos.

Agora, agora também pequena, trazes-me madressilva,
E tens até os seios perfumados.
Enquanto o vento triste galopa matando borboletas
Eu amo-te, e a minha alegria morde a tua boca de ameixa.

O que te haverá doído acostumares-te a mim,
à minha alma selvagem e só, ao meu nome que todos escorraçam.
Vimos arder tantas vezes a estrela-d’alva beijando-nos os olhos
E sobre as nossas cabeças destorcem-se os crepúsculos em leques rodopiantes.

As minhas palavras choveram sobre ti acariciando-te.
Amei desde há que tempo o teu corpo de nácar moreno.
Creio-te mesmo dona do Universo.
Vou trazer-te das montanhas flores alegres, "copihues",
Avelãs escuras, e cestos silvestres de beijos.

Quero fazer contigo
O que a primavera faz com as cerejeiras.


PABLO NERUDA, in VINTE POEMAS DE AMOR E UMA CANÇÃO DESESPERADA, trad. de Fernando Assis Pacheco (Publ. D. Quixote, 1ª ed. 1971, 15ª ed. 2007)

Sem comentários:

Enviar um comentário