segunda-feira, 28 de novembro de 2011

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Esquece-te de mim, Amor

Esquece-te de mim, Amor,
das delícias que vivemos
na penumbra daquela casa,
Esquece-te.
Faz por esquecer
o momento em que chegámos,
assim como eu esqueço
que partiste,
mal chegámos,
para te esqueceres de mim,
esquecido já
de alguma vez termos chegado.

António Mega Ferreira

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Poema da despedida

Não saberei nunca
dizer adeus

... ... Afinal,
só os mortos sabem morrer

Resta ainda tudo,
só nós não podemos ser

Talvez o amor,
neste tempo,
seja ainda cedo

Não é este sossego
que eu queria,
este exílio de tudo,
esta solidão de todos

Agora
não resta de mim
o que seja meu
e quando tento
o magro invento de um sonho
todo o inferno me vem à boca

Nenhuma palavra
alcança o mundo, eu sei
Ainda assim,
escrevo

Mia Couto

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Aurora Bureal

Tenho quarenta janelas
nas paredes do meu quarto.
Sem vidros nem bambinelas
posso ver através delas
o mundo em que me reparto.
Por uma entra a luz do Sol,
por outra a luz do luar,
por outra a luz das estrelas
que andam no céu a rolar.
Por esta entra a Via Láctea
como um vapor de algodão,
por aquela a luz dos homens,
pela outra a escuridão.
Pela maior entra o espanto,
pela menor a certeza,
pela da frente a beleza
que inunda de canto a canto.
Pela quadrada entra a esperança
de quatro lados iguais,
quatro arestas, quatro vértices,
quatro pontos cardeais.
Pela redonda entra o sonho,
que as vigias são redondas,
e o sonho afaga e embala
à semelhança das ondas.
Por além entra a tristeza,
por aquela entra a saudade,
e o desejo, e a humildade,
e o silêncio, e a surpresa,
e o amor dos homens, e o tédio,
e o medo, e a melancolia,
e essa fome sem remédio
a que se chama poesia,
e a inocência, e a bondade,
e a dor própria, e a dor alheia,
e a paixão que se incendeia,
e a viuvez, e a piedade,
e o grande pássaro branco,
e o grande pássaro negro
que se olham obliquamente,
arrepiados de medo,
todos os risos e choros,
todas as fomes e sedes,
tudo alonga a sua sombra
nas minhas quatro paredes.

Oh janelas do meu quarto,
quem vos pudesse rasgar!
Com tanta janela aberta
falta-me a luz e o ar.

António Gedeão

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

És a página em branco

És a página em branco que viro com a respiração
Corpo leve ao respirar esta essência da partilha
do ar que consumimos
Boca na boca respiro-te

Descubro-te na solidez dos dedos ágeis
Página em branco que preencho com os braços
envoltos na espessa neblina do arfar
Braço no braço escrevo-te

És a criação da liberdade em movimento
És a palavra liberta em redor do corpo
Marfim talhado na robustez da descoberta
Palavra a palavra crio-te

No perpetuar dos dias escorre o suor da vida
esse áspero mar que nos carrega
e me convida a escrever escrever continuamente
em todo o recanto da tua branca página

José Bernardes

Et si tu n'existais pas

http://www.youtube.com/watch?v=bHUH8cP7p90

E se você não existisse,
Diga-me porque eu existiria.
Para andar por esse mundo sem você,
Sem esperança e sem saudades.
E se você não existisse,
Eu tentaria inventar o amor,
Como um pintor que vê de seus dedos
Nascer as cores do dia.
E que não voltam.
E se você não existisse,
Diga-me porque eu existiria.
Pessoas adormecidas em meus braços,
Que eu jamais amaria.
E se você não existisse,
Eu não seria mais que um ponto a mais,
Nesse mundo que vem e que vai,
Eu me sentiria perdido,
Teria necessidade de você.
E se você não existisse,
Diga-me como eu existiria.
Poderia fingir que seria eu,
Mas nunca seria verdadeiro.
E se você não existisse,
Eu acredito que eu teria encontrado,
O segredo da vida, o por quê,
Simplesmente para te criar,
E para te olhar.

domingo, 13 de novembro de 2011

Ode a Heros

Eros, Cupido, Amor, pequeno Deus travesso
Com quem todos brincamos!
Brincando nos ferimos,
Ferindo-nos gozamos,
Se rimos já choramos,
Mal que choramos rimos...
Já, voltados do avesso,
Por igual o voltamos,
O torturamos nós como ele nos tortura,
Descemos aos recessos da criatura...

Pequenino gigante!
Sonhava, ou não sonhava,
Quem te representou risonho e pequenino
Que de Hércules a clava
Não pesa como pesa a tua mão de infante,
Nem seu furor destrói
Como nos dói
Teu riso de menino?

Nas tuas leves setas
Nas flâmulas gentis
Que cantam os poetas
E os namorados juvenis,
Que longos ópios e letais licores,
Que pântanos de lodo e que furores,
Que grinaldas de louros e de espinhos,
Que abissais labirintos de caminhos!

Mascarilha de seda e de veludo
Sob a qual o olhar brilha, a boca ri,
Que olhar ambíguo ou mudo,
Que boca atormentada
Não terás além ti
Na mascarada?

Pai da Crueldade e da Piedade,
Filho do Crime e da Beleza,
Que infante serás tu, que, desde que há Idade,
Aos Ícaros opões a mesma astral parede,
E os Lázaros susténs dos restos dessa mesa
Em que se bebe sempre a mesma sede,
Se come
A mesma fome?

Divindade nocturna
Que te cinges de rosas,
Suprema fúria mascarada
Que a porta abres do céu... escancarada
Sobre o negro vazio duma furna,
Que a urna de cristal nas mãos formosas
Vens ofertar às bocas sequiosas
E escorres sangue do cristal da urna,
Que tens tu afinal, ao fundo da caverna
Sempre aos mortais vedada:
A eterna morte... o nada,
Ou a vida eterna?

José Régio

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Canção Perdida

Hálitos de lilás, de violeta e d'opala,
Roxas macerações de dor e d'agonia,
O campo, anoitecendo e adormecendo, exala...
Triste, canta uma voz na síncope do dia:

Alguém de mim se não lembra
Nas terras d'além do mar...
Ó Morte, dava-te a vida,
Se tu lha fosses levar!...

Ó Morte, dava-te a vida,
Se tu lha fosses levar!...
Com o beijo do sol na face cadavérica,
Beijo que a morte esvai em palidez algente,

Eis a Lua a boiar sonâmbula e quimérica...
Doce canta uma voz melancolicamente:
O meu amor escondi-o
Numa cova ao pé do mar...

Morre o amor, vive a saudade...
Morre o sol, olha o luar!...
Morre o amor, vive a
Morre o Sol, olha o luar!...

Latescente a neblina opálica flutua,
Diluindo, evaporando os montes de granito
Em colossos de sonho, extasiados de Lua...
Flébil, chora uma voz no letargo infinito:

Quem dá ais, ó rouxinol,
Lá para as bandas do mar?...
É o meu amor que na cova
Leva as noites a chorar!...


A Lua enorme, a Lua argêntea, a Lua calma,
Imponderalizou a natureza inteira,
Descondeusou-a em fluido e embebeceu-a em alma...
Triste expira uma voz na canção deerradeira:

Ó meu amor, dorme, dorme
Na areia fina do mar,
Que em antes da estrela d'alva
Contigo me irei deitar!...

Que em antes da estrela d'alva
Contigo me irei deitar!

Guerra Junqueiro

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Father and son

http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=QEhM6e8dK-w

Realidade

Em ti o meu olhar fez-se alvorada
E a minha voz fez-se gorjeio de ninho...
E a minha rubra boca apaixonada
Teve a frescura pálida do linho...

Embriagou-me o teu beijo como um vinho
Fulvo de Espanha, em taça cinzelada...
E a minha cabeleira desatada
Pôs a teus pés a sombra de um caminho...

Minhas pálpebras são cor de verbena,
Eu tenho os olhos garços, sou morena,
E para te encontrar foi que eu nasci...

Tens sido vida fora o meu desejo
E agora, que te falo, que te vejo,
Não sei se te encontrei... se te perdi...

Florbela Espanca

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Nos teus braços

Nos teus braços,
Morreria
Se ontem fosse amanhã.
Morreria
Por gostar
Da maneira como gostas,
Se caísse em teus braços.
Se os meus braços vacilassem,
Evitaria o teu olhar.
E morreria outra vez
Para poder ter
O motivo de te encontrar.
Nos teus braços,
Morreria.
Novamente…

Paulo Eduardo Campos

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Dedication To My Ex (Miss That)

http://www.youtube.com/watch?v=CrQAdM581Pk&feature=player_embedded

Em ti

Em ti o chão exausto de meu desejo. A flor aberta
dos sentidos. A calidez do lume. A água. O vinho.
O sangue a estuar em fúria. O grito do sol
que em transe de labareda fulge e irradia.
A extensão de tantos vales
e colinas. Fragrantes. Infinitas.
Os pomos saborosos, repartidos.
Os gomos. Os sumos ardorosos.
Os bosques impregnados de maresia.
A placidez molhada das ervas.
O luzir loiro das searas pelo vento devastadas.
O estio. O seu zénite. A sua vertigem.

Em ti a inclinação dos ramos. A translucidez do verde.
O derrame da seiva. O estremecer das raízes.
O musgo despontando. O aveludado dos troncos.
Os álamos. Os plátanos. E outras núbeis melodias.
O espreguiçar incandescente dos rios.
O êxtase das aves altas anunciando o fervor
de um beijo. De um afago. De uma carícia.
O hálito das corolas. As sépalas. Os estames.
O brilho e o odor silvestre da resina. A relva sedosa.
A primavera inebriada com sua própria brisa.

Em ti o menear da terra. As eiras. O feno flamante.
O irromper dos brotos. O despertar dos cálices.
A embriaguez do nardo. E da acácia, festiva.
O matiz das cores na várzea repercutido.
O som dos mananciais posto a descoberto.
O manar das fontes em euforia.
Os céus azuis a derramarem hinos.
O trinado agudo da andorinha.
O acenar obstinado dos choupos.
As centelhas rubras do crepúsculo.
O perfume juvenil das vinhas.

Em ti o delírio das ondas. Das espumas.
As fogueiras ateadas. Os aromas fulvos.
O sopro das chamas. O pão aceso. As espigas.
Os campos de lilases que se estendem
numa queimadura de aurora.
As pétalas humedecidas.
O incêndio azul do orvalho.
A alvura da açucena na manhã florida.

Em ti, amada, celebro a memória de todas as coisas vivas.

 

Gonçalo Salvado

Have You Ever Seen The Rain?

http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=Gu2pVPWGYMQ#!

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Recordar é Viver

http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=d4W_zRGrLG8

Talvez um dia...

Talvez um dia eu parta
para essa viagem sem fim,
sem saber por onde passei,
nem os trilhos que pisei.

Talvez um dia eu parta,
feche os olhos e adormeça,
sem me ter sentido acordado,
que não errante e atordoado.

Talvez um dia eu parta,
me livre da angústia e nostalgia,
e encontre a serenidade,
quiçá, a suprema felicidade.

Talvez um dia quem sabe
olhe para trás e entenda,
no fim do caminho que percorro,
tudo o que hoje me interrogo.

Talvez um dia quem sabe
acabe com a maldição,
o sentir amado e não amar,
porque deixei de lutar.

Talvez um dia quem sabe
eu aprenda a conhecer-me,
talvez então tarde demais,
para viver entre os mortais.

Olho para trás e que vejo?
Buracos negros deixados
e intervalos de vida sem cor,
um vazio enorme… muita dor.

Talvez um dia eu parta,
vista a vida de negro
e a leve nessa viagem,
último suspiro… uma miragem.

Celso Cordeiro

Acordo

Acordo. dormes ainda.
Que fazer se me apetece?
Pego na tua mão
e pouso-a onde estou vivo.
respiras. Andantino.
As costas para mim. Não resisto.
Os dedos, leves, ensalivados,
vão a procura do grão, do seu
pólen. Vão e vêm, vou e venho.
Beijo-te no ombro. Sorris.
Dormes ainda? Subitamente
abres os olhos e abres a boca
e debruças-te sobre mim.
O dia principia.

Casimiro de Brito

Pezinhos...