sábado, 28 de abril de 2012

O meu tempo é eterno

O meu tempo é eterno.
Habito os céus
Que as aves deixaram vazios
Há já tanto tempo.
Talvez não saibas
Que povoas os meus pensamentos,
Que tomas forma nos meus sonhos.
Quando te vier buscar
Tomarei tuas mãos,
Trocaremos palavras
Pela eternidade do nosso olhar…
Eu sou o anjo do desespero.

Paulo Eduardo Campos

Eu ontem vi-te

Eu ontem vi-te...
Andava a luz
Do teu olhar,
Que me seduz
A divagar
Em torno de mim.
E então pedi-te,
Não que me olhasses,
Mas que afastasses,
Um poucochinho,
Do meu caminho,
Um tal fulgor
De medo, amor,
Que me cegasse,
Me deslumbrasse
fulgor assim.

Ângelo de Lima

Je t'aime mais non plus - Jane Birkin & Serge Gainsbourg

http://youtu.be/iXl5G91qvhc

sexta-feira, 27 de abril de 2012

Se Eu Fosse Um Dia ao Teu Olhar - Pedro Abrunhosa

http://youtu.be/Hsy47VvjDms

Ser que nunca fui

Começo a chorar
do que não finjo
porque me enamorei
de caminhos
por onde não fui
e regressei
sem nunca ter partido
para o norte aceso
no arremesso da esperança

Nessas noites
em que de sombra
me disfarcei
e inciteo os objectos
na procura de outra cor
encorajei-me
a um luar sem pausa
e vencendo o tempo que se fez tarde
disse: o meu corpo começa aqui
e apontei para nada
porque me havia convertido ao sonho
de ser igual
aos que nunca são iguais

Faltou-me viver onde estava
mas ensinei-me
a não estar completamente onde estive
e a cidade dormindo em mim
não me vi entrar
na cidade em que em mim despertava

Houve lágrimas que não matei
porque me fiz
de gestos que não prometi
e na noite abrindo-se
como toalha generosa
servi-me do meu desassossego
e assim me acrescentei
aos que sendo toda a gente
não foram nunca como toda a gente

Mia Couto

Para ti

Foi para ti
que desfolhei a chuva
para ti soltei o perfume da terra
toquei no nada
e para ti foi tudo

Para ti criei todas as palavras
e todas me faltaram
no minuto em que talhei
o sabor do sempre

Para ti dei voz
às minhas mãos
abri os gomos do tempo
assaltei o mundo
e pensei que tudo estava em nós
nesse doce engano
de tudo sermos donos
sem nada termos
simplesmente porque era de noite
e não dormíamos
eu descia em teu peito
para me procurar
e antes que a escuridão
nos cingisse a cintura
ficávamos nos olhos
vivendo de um só
amando de uma só vida

Mia Couto

terça-feira, 24 de abril de 2012

O Teu Brinquedo - Paulo Gonzo

http://youtu.be/o05awaaZ618

Eu vou fazer segredo
Até ao teu jantar
Só tu é que não sabes
O que eu te vou dar
Espera um pouco
Mas.....espera um pouco
Pedi que me o guardassem
Até eu confirmar
A cor de que mais gostas
Calma..... espera um pouco
Mas.....espera um pouco
Quem é que faz
Por ti o que eu faço ?
Quem é que vai cair
Nos meus braços ?
Quem é que faz
Por ti o que eu faço ?
Quem é que vai cair
Nos meus braços ?
Já é quase de dia
É hoje que te vou dar
O teu brinquedo novo
Calma ........já falta pouco
Mas......já falta pouco
Quem é que faz
Por ti o que eu faço ?
Quem é que vai cair
Nos meus braços ?

O meu tempo é eterno

O meu tempo é eterno.
Habito os céus
Que as aves deixaram vazios
Há já tanto tempo.
Talvez não saibas
Que povoas os meus pensamentos,
Que tomas forma nos meus sonhos.
Quando te vier buscar
Tomarei tuas mãos,
Trocaremos palavras
Pela eternidade do nosso olhar…
Eu sou o anjo do desespero.

Paulo Eduardo Campos

Estou cada vez mais cercado pelos astros

Estou cada vez mais cercado pelos astros
sou um frágil satélite do tempo
Como poderei saber o que não sei
o que nunca saberei se habito apenas
o vazio da minha ignorância circular
Procuro a identidade numa imprevisível estrela
no coração do instante
no rasgão fugidio do poema

Cada vez mais os círculos tenazes e monótonos
de um mundo que já não é dos deuses
nem dos homens
se apertam em torno do meu corpo sedento
de um espaço vivo de profundo universo
e de nascentes de silêncio e de estrelas de silêncio

Cada vez mais sou um ponto vazio
emparedado pelos círculos dos astros
e pelas linhas dissonantes do tráfego
um monossílabo no meio do nevoeiro
uma balança que só pesa a sua sombra

Mas o desejo é uma nua serpente sem veneno
que procura o aluvião para além da areia estéril
e as palavras são gritos vermelhos que germinam
sobre o abismo entre líquenes e espumas
deslizando sobre o tronco da matéria inicial

António Ramos Rosa

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Rui Veloso - O prometido e devido

http://youtu.be/FMipHOutRPY

Nenhuma morte apagará os beijos

Nenhuma morte apagará os beijos
e por dentro das casas onde nos amámos ou pelas ruas clandestinas da grande cidade livre
estarão para sempre vivos os sinais de um grande amor,
esses densos sinais do amor e da morte
com que se vive a vida.

Aí estarão de novo as nossas mãos.
E nenhuma dor será possível onde nos beijámos.
Eternamente apixonados, meu amor. Eternamente livres.
Prolongaremos em todos os dedos os nossos gestos e,
profundamente, no peito dos amantes, a nossa alma líquida e atormentada
desvenderá em cada minuto o seu segredo
para que este amor se prolongue e noutras bocas
ardam violentos de paixão os nossos beijos
e os corpos se abracem mais e se confundam
mutuamente violando-se, violentando a noite
para que outro dia, afinal, seja possível.

Joaquim Pessoa

Eu

Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada ... a dolorida ...

Sombra de névoa tênue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!...

Sou aquela que passa e ninguém vê...
Sou a que chamam triste sem o ser...
Sou a que chora sem saber porquê...

Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver,
E que nunca na vida me encontrou!

Florbela Espanca

domingo, 15 de abril de 2012

Viagem

Aparelhei o barco da ilusão
E reforcei a fé de marinheiro.
Era longe o meu sonho, e traiçoeiro
O mar...
(Só nos é concedida
Esta vida
Que temos;
E é nela que é preciso
Procurar
O velho paraíso
Que perdemos).
Prestes, larguei a vela
E disse adeus ao cais, à paz tolhida.
Desmedida,
A revolta imensidão
Transforma dia a dia a embarcação
Numa errante e alada sepultura...
Mas corto as ondas sem desanimar.
Em qualquer aventura,
O que importa é partir, não é chegar.

Miguel Torga

Gostava de morar na tua pele

Gostava de morar na tua pele
desintegrar-me em ti e reintegrar-me
não este exílio escrito no papel
por não poder ser carne em tua carne.

Gostava de fazer o que tu queres
ser alma em tua alma em um só corpo
não o perto e o distante entre dois seres
não este haver sempre um e sempre o outro.

Um corpo noutro corpo e ao fim nenhum
tu és eu e eu sou tu e ambos ninguém
seremos sempre dois sendo só um.

Por isso esta ferida que faz bem
este prazer que dói como outro algum
e este estar-se tão dentro e sempre aquém.

Manuel Alegre

A morte do amor

Se eu pudesse voltar atrás
Não te amava.
É tão mais fácil
Manter o coração quieto no peito
Como se todos os dias
E todas as horas fossem iguais.

A inquietação de me faltares
Deixa os meus olhos tristes
Esperando que aceites
A mão que te estendo.

Mas tu não estás.
Eu parti com a última onda
Sem saber se voltarei um dia,
E o caminho que os nossos pés
Juntos percorreram
Choram a saudade
De ter morrido o amor
Quando dissemos adeus.

Ana Brilha

Corações de Atum - "Gosto de Ti (Realmente)

http://youtu.be/TpH6qIChiXk

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Diário de um homem maduro no ginásio

Acabei de completar 50 anos. A minha mulher ofereceu-me um voucher de
uma semana num dos melhores ginásios. Estou em excelente forma mas
achei boa idéia diminuir a minha "barriguinha". Fiz a marcação dessa
semana no ginásio. A personal trainer que me vai seguir chama-se
Catarina, tem 26 anos, é monitora de aeróbica e modelo.
Recomendaram-me que escrevesse um diário para documentar o meu
progresso, que transcrevo a seguir.

Segunda-feira
Com muita dificuldade levantei-me às 6 da manhã. O esforço valeu a
pena. A monitora parece uma deusa grega: loira, olhos azuis, grande
sorriso, lábios carnudos e corpo escultural. Primeiro mostrou-me
todos os aparelhos de ginástica. Comecei pela bicicleta. Ao fim de 5
minutos mediu as minhas pulsações e ficou alarmada porque estavam muito
aceleradas. Mas não era da bicicleta: era por causa dela, por estar
vestida com uma malha de lycra justíssima que lhe moldava as formas
todas. Gostei do exercício. Ela consegue dar-me imensa motivação.
Começo a sentir uma dor constante na barriga de tanto a encolher.

Terça-feira
Tomei o pequeno almoço e fui para o ginásio. A monitora estava melhor
que nunca. Comecei por levantar uma barra de metal. Depois ela
atreveu-se a pôr pesos!!!
Tinha as pernas fracas mas consegui completar UM QUILÓMETRO na
passadeira. O sorriso arrebatador que a monitora me deu no fim da
manhã convenceu-me de que todo este exercício vale a pena... É uma
vida nova para mim.

Quarta-feira
A única forma de conseguir escovar os dentes foi segurar na escova
com os cotovelos apoiados no lavatório e mexer a cabeça de um lado para o
outro. Conduzir também não foi fácil: estender os braços para meter
as mudanças foi um esforço digno de Hércules. Dói-me o peito. As plantas
dos pés doem de cada vez que carrego nos pedais. Fisicamente
diminuído, estacionei o carro no lugar reservado para deficientes,
até porque só consigo andar a coxear. A monitora estava com a voz um
pouco aguda. Quando grita incomoda-me muito. Quando me pôs um arnês para
fazer escalada todo o corpo me doeu. Para que é que alguém inventa um
aparelho para fazer escalada quando isso ficou obsoleto desde a
invenção dos elevadores? A monitora disse-me que este exercício me ia
ajudar a ficar em forma, ou a gozar a vida...

Quinta-feira
A monitora estava à minha espera com os seus dentes de vampiro
horríveis. Cheguei meia-hora atrasado: foi o tempo que demorei para
conseguir calçar os sapatos. A desgraçada pôs-me a trabalhar com os
pesos. Quando se distraíu, fui-me refugiar na casa de banho. A gaja
mandou um outro monitor ir buscar-me.
Como castigo pôs-me na máquina de remar... Estou todo rebentado.

Sexta-feira
Odeio essa desgraçada. Estúpida, magra, anémica, chata e feminista
sem cérebro! Se houvesse uma parte do meu corpo que eu pudesse mexer sem
sentir uma dor excruciante, partia ao meio essa sacana. Quis que eu
trabalhasse os meus trícipetes... EU NEM SABIA O QUE ERA ESSA COISA
DOS TRÍCIPETES!!! E se não bastasse colocar-me pesos nos braços,
pôs-me aquelas tretas das barras... Desmaiei na bicicleta. Acordei
numa maca. Uma nutricionista, uma idiota com cara de estúpida, deu-me
uma seca sobre alimentação saudável.

Sábado
A filha da mãe deixou-me uma mensagem no telemóvel com a sua vozinha
de lésbica assumida a perguntar por que é que eu não apareci. Só de
ouvir aquela vozinha fiquei com ganas de partir o telemóvel, mas não
tive forças para o levantar. Carregar nas teclas do comando da
televisão para fazer zapping está a ser um esforço tremendo...

Domingo
Não me consigo levantar.
Pedi a um amigo meu para agradecer a Deus por mim na missa por ter
sobrevivido a esta semana que felizmente já acabou. Rezei para que no
ano que vem a desgraçada da minha mulher me dê qualquer coisa um
pouco mais divertida, como um tratamento dentário, um cateterismo ou até
mesmo um exame à próstata.

The Eagles - Hotel California

http://youtu.be/gmT8AeU2xKk

Procuro-te

Procuro a ternura súbita,
os olhos ou o sol por nascer
do tamanho do mundo,
o sangue que nenhuma espada viu,
o ar onde a respiração é doce,
um pássaro no bosque
com a forma de um grito de alegria.

Oh, a carícia da terra,
a juventude suspensa,
a fugidia voz da água entre o azul
do prado e de um corpo estendido.

Procuro-te: fruto ou nuvem ou música.
Chamo por ti, e o teu nome ilumina
as coisas mais simples:
o pão e a água,
a cama e a mesa,
os pequenos e dóceis animais,
onde também quero que chegue
o meu canto e a manhã de maio.

Um pássaro e um navio são a mesma coisa
quando te procuro de rosto cravado na luz.
Eu sei que há diferenças,
mas não quando se ama,
não quando apertamos contra o peito
uma flor ávida de orvalho.

Ter só dedos e dentes é muito triste:
dedos para amortalhar crianças,
dentes para roer a solidão,
enquanto o verão pinta de azul o céu
e o mar é devassado pelas estrelas.

Porém eu procuro-te.
Antes que a morte se aproxime, procuro-te.
Nas ruas, nos barcos, na cama,
com amor, com ódio, ao sol, à chuva,
de noite, de dia, triste, alegre — procuro-te.

Eugénio de Andrade

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Penso em ti no silêncio da noite quando tudo é nada

Penso em ti no silêncio da noite, quando tudo é nada,
E os ruídos que há no silêncio são o próprio silêncio,
Então, sozinho de mim, passageiro parado
De uma viagem em Deus, inutilmente penso em ti.

Todo o passado, em que foste um momento eterno
E como este silêncio de tudo.
Todo o perdido, em que foste o que mais perdi,
É como estes ruídos,
Todo o inútil, em que foste o que não houvera de ser
É como o nada por ser neste silêncio nocturno.

Tenho visto morrer, ou ouvido que morrem,
Quantos amei ou conheci,
Tenho visto não saber mais nada deles de tantos que foram
Comigo, e pouco importa se foi um homem ou uma conversa;
Ou um [...] assustado e mudo,
E o mundo hoje para mim é um cemitério de noite
Branco e negro de campas e [...] e de luar alheio
E é neste sossego absurdo de mim e de tudo que penso em ti.

Álvaro de Campos

domingo, 1 de abril de 2012

Chamar-te meu amor

Dizer que tudo em ti é movimento
e que há corças nas selvas em redor
do amor que às vezes faço em pensamento
ou do que eu penso quando faço amor.

Dizer que em tudo escuto a tua voz
no mar no vento na boca das searas
o maior amor do mundo somos nós
cobrindo a solidão de pedras raras.

Dizer tudo o que eu digo nunca basta
pois para ti não chegam as palavras
meu amor é uma expressão que já está gasta
mas tem sempre um aroma de ervas bravas.

É por ti tudo o que faço e digo e chamo
por ti eu tudo invento e tudo esqueço
dou tudo o que há em mim quando te amo
mas nem sei meu amor se te conheço.

Joaquim Pessoa

Sinto tanto a tua falta...

http://youtu.be/5W9XLqbDaCw

Sempre amei por palavras muito mais

Sempre amei por palavras muito mais
do que devia
são um perigo
as palavras
quando as soltamos já não há
regresso possível
ninguém pode não dizer o que já disse
apenas esquecer e o esquecimento acredita
é a mais lenta das feridas mortais
espalha-se insidiosamente pelo nosso corpo
e vai cortando a pele como se um barco
nos atravessasse de madrugada
e de repente acordamos um dia
desprevenidos e completamente
indefesos
um perigo
as palavras
mesmo agora
aparentemente tão tranquilas
neste claro momento em que as deixo em desalinho
sacudindo o pó dos velhos dias
sobre a cama em que te espero

Alice Vieira